segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Calo-me



Calço os sapatos apertados e ouço os meus próprios passos. Ando. Andei.
Olho minhas mãos que tremem enquanto desenrolo o compasso dos passos que insistem em ficar, sem nada dizer.
Então digo.
Digo cantando em versos, a prosa daquele teu movimento simples, forte que mantinha em pé. Conduzia os passos que agora acabam.
Olho as mãos salgadas, das lágrimas jorradas feito fonte velha que seca- o mar na face escorre feito onda, transbordando em lágrimas do dizer- calado.
Calo-me feito pedra. Paro. Parei.
Os joelhos se dobram com o gosto do chão que enxuga a face. As mãos cortam-me a carne. E aquele teu gosto lúcido me mostra e pede: ‘vá além’
Vou.
Entre  distância e som, o calado silêncio toma-me. Cala-me.
Tortura a boca que nada mais diz. E os dentes cortam-te.
Um toque e levanto.
Sinto um sussurro longe, invisível aos olhos mastiga os ouvidos.
Em pé. Olho-te nua. A carne crua faz-me te ver,  feito leão.
Espero, calada.
Teus olhos postos ao chão ainda me dizem, feito eu.
Donzela acariciando a fome. Essa angústia do teu sangue-meu em minhas mãos.
Calo-me. Deixo o sal tocar-lhe a pele, transportando esse meu viver, no teu.
Respiro tua boca, já calada.
Calo ainda mais o teu silêncio- meu.
Olho-me em ti, sou eu.
Os olhos adormecidos no calor das pálpebras apagam a luz.
Calo-me-te no escuro – abismo.
Tua pele pura toca o gosto e o desejo.
Corro e tremo.
Olho tuas delicadas unhas e permaneço no profundo silêncio – meu.
Calo-te-me, que sou eu, em você.
O mesmo gosto do pecado puro, afoga o nosso dizer que é silêncio.
Afoga-te-me. Engulo a tua vontade inexistente e minha garganta faz-te vinho n’água.
Calo-me em ti, que sou eu.
Arranco-te minhas vontades e debruço-me no silêncio.
[...]
Calo-me e te olho, pois tu calada também me vês.