sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Sim, o espaço preenche-se com música. A dança logo aparece.
O movimento repousa entre os dedos dos pés.
Logo os olhos se fecham.
Sem perceber ela levanta-se e parece tentar fugir de si mesma.
Mas o som insiste em lhe convidar.

Ela deixa seduzir-se: dança.

Ao nascer do sol, canta.

Apesar do tempo, ainda ouço a sua voz.

la magnifique modernité

"Bem,
não há nada de extraordinário nesta escrita. 
Eu não sei escrever poesias ou narrativas.
É melhor tu ires ver um filme, de ficção científica."


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Entre! Há livros

Escondeu-se nas cortinas quando eu abri a porta, mas esqueceu-se de esconder os pés inconfundíveis entre os tecidos. Ali ficou.
Eu nada disse, caminhei com meus passos pelo chão que há tanto tempo estava ali, sustentando aqueles tantos livros que li. 
Caminhei e observei, cuidadosamente, mais uma vez, se
estavam todos na ordem em que eu costumara deixar: comecei organizando-os pelas cores. Na estante do lado esquerdo, todos os tons de verde bem ao alto, eram as folhas das árvores, o oxigênio que me mantinha em pé, com os pulmões cheios, depois meio vazios e depois, cheios outra vez. Estes livros verdes por vezes tornavam-se meu receio. Acontece que eu fumava demais e, meus pulmões pareciam estar ficando fracos, por isso, resolvi que os livros de capas marrons, cinzas e pretos deveriam ficar perto do chão qual eu pisava, assim representariam a terra, onde eu possivelmente acabaria enterrado em pouco tempo. Não pararia de fumar e também não deixaria de ler. 
Continuei com meus passos. Alguns faziam-se mais fortes quando eu corria os olhos por um título inquietante, ou por um romance chato, que fui obrigado a ler. Gostava de obrigar a mim mesmo a fazer certas leituras que em princípio julgava inútil, mas depois descobria que ao menos faziam as horas solitárias mais animadas, por vezes, aconchegantes. Na verdade ler era a coisa mais fácil que eu poderia fazer na situação em que me encontrava e no lugar onde eu estava. Não havia nada para mim fora daqueles paredes. O mundo é uma constante desilusão de páginas que ficam amareladas com o tempo. Assim os autores por vezes também me deixavam frustrado. Tolice pensar que eram homens como eu. Não, não eram. Traziam consigo uma carta oculta na manga e, em qualquer instante conseguiriam acertar os números da loteria, porque por vezes eles próprios sustentavam a loteria. Eu mal sustentava à mim mesmo. Sustentava também aqueles pequenos pés que insistiam em permanecer quase ocultos, entre as cortinas. Na verdade, ela também me sustentava. Irrelutávelmente dependíamos um do outro, feito animal que somos. 
 Distraio-me entre as obras e quase esqueço daqueles pés. Esqueci-me há quanto tempo eu estava ali em pé, parado, tentando olhar pela janela mas com Tolstoi ofuscando no lado direito do meu ombro. Sabia que se o tocasse sentaria e releria as páginas marcadas a lápis, porque essas páginas sempre traziam algo novo e também, nem sempre eram sempre as mesmas páginas que estavam marcadas. Era o trabalho dela. Tentava compreender de uma maneira controversa à obtusidade tudo aquilo que as palavras não revelavam. Encontrava o tesouro sempre, muito antes do que eu. Por isso, apesar da minha invisibilidade e inutilidade neste mundo, sentia-me o mais importante de todos os homens por poder desfrutar sozinho daquele tesouro. Embora pensasse que isso era um pua que ajudaria a derrubar o muro, entristecia-me o fato dela sozinha, não querer conversar com o mundo, e dizer tudo aquilo que, sagrado e escuro, escondia-se entre as linhas das páginas amareladas que translúcidas revelam este mundo.
O som dos meus passos calaram-se, estático permaneci nestes pensamentos. Aqueles pés inconfundíveis não se enroscariam na cortina, ela havia partido, outra vez, quase sem eu perceber. 
Incrível como eu distraía-me facilmente entre aqueles livros, aqueles pés, e o meu pensar. Sabia que apesar de todas aquelas leituras, eu não era capaz de escrever sequer uma oração coordenativa assindética, ela porém, sabia.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Anáfora

Tem gente defendendo tese de dissertação.
Gente passeando com o cão
Gente tentando ser cosplay bem longe do Japão
Gente procurando a direção
Gente cheia de preocupação
Gente que não respira em vão
Gente em gestação
Gente com os pés no chão
Gente com nuvens nas mãos
Gente que sonha em ser patrão
Gente que não sabe se é peão
Gente que acredita na Educação
Gente que vive de corrupção
Gente que nunca viu um vulcão
Gente que não tem fogão
Gente que morre, sem alimentação


Quanto custa o pão?

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

-

E então, em meio aquela confusão de coisas plásticas, com pessoas elásticas que vendiam o seu saber disse:
- Me parece que, certas pessoas, às vezes pensam que, comendo dinheiro, vão cagar outra coisa além de merda. Não é de se espantar, tantas são as vezes em que o processo é inverso, e estas mesmas pessoas não 'mastigam' as palavras direito, de modo que a merda acaba saindo pelo lado errado. A boca até parece cheirar mal. É assim, civilização racional: uma face compra, a outra vende, sem consciência do valor real. E eu não vou pedir-vos desculpas pelas "palavras inapropriadas" utilizadas nessa ocasião, pois quando se trata de realidade, todas as palavras são apropriadas para dizê-las. De quê adianta-vos tanto conhecimento, livros nas prateleiras e nenhuma humanidade nas mãos? Vós sois tão culpados pela alienação quanto áqueles que, polidamente, criticam. Cêis não são superiores. Cêis são canalhas aproveitadores em busca de salvação, de si mesmos, é claro. Vós sois tão covardes que insistem em permanecer entre paredes muito bem planejadas. Terão algum dia coragem de caminhar pelas estradas que fogem da vossa própria visão?
Seu discurso é interrompido pelo som de louças quebrando na sala ao lado. A verdade entre as coisas apenas havia começado e o espanto, fez escorrer champanhe em lágrimas ácidas pelo chão. No entanto não há sal dos olhos que lhes salve. Havia apenas começado e por isso, há que se ter cautela ao dizer... Mesmo que as palavras para retratar a realidade sejam todas apropriadas.

domingo, 19 de janeiro de 2014

Hipérbato


Compre agora a velha-nova
T-shirt para combater
o capitalismo.

Disponível em todas as lojas, estoques ilimitados! 

-

Estremeceu.
Fez-se em sol menor na sétima,
contraiu as cordas e repousou os dedos
enquanto o sol entrava pela janela
sem windows prá distrair o domingo.

Surgiram então os passos...

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Other

Deixou o corpo deslizar pelos  lençóis mais uma vez enquanto o rádio lançava flechas secas - sem alvo, a parede então reuniu um sapateado.
Sem milk shake e longe do James Dean, ela rolava pela cama coberta de desejos roubados. 

Os pés tocam-se, as mãos empurram o travesseiro e um bocejo sem gosto parece aliviar o desespero misturado a angústia de perder, o que havia sido:
um zumbido de abelha procurando mel entre os ouvidos e o som desaparece - permanece a lembrança.
A procura por anseios distorce o reflexo no espelho - brota distante um sorriso: melancolia com disfarce faz da alegria um combate: 
preserva eternamente a cicatriz.
Então, o corpo quente com sangue em rios descontentes, esconde o agridoce e sagaz relâmpago que dita as notas à tocar. 
Entre os livros, garrafas e um cinzeiro, o violoncelo ocupa um espaço sereno: música para dramatizar.
Enfatiza os passos pela cama. 
Nos lençóis há um cheiro de lama, que ela insiste em preservar. 
As cordas corroem a carne dos dedos, mas a música não pode parar: são os passos da menina que sozinha, inspira e respira seu próprio ar.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Mitemas distantes

Há o descontínuo em cima do muro.
Parece calmo, sereno e profundo,
desliza nos passos terrenos, imundos,
que rompem todo o anoitecer. 

Teus olhos de águia
despertam estradas,
trazem prá perto
a angústia e o querer.

Existem tijolos distantes inertes.
E sem a grandeza do Monte Everest
surgem espasmos, no interior do teu Ser.

Sereno e profundo,
nobre vagabundo,
das noites os sonhos
roubam o amanhecer.

Distante o presente e
o passado ausente,
resta o futuro lhe dizer:

Sem dentes a estrada,
devora a espada
que aprisiona o teu viver.


domingo, 5 de janeiro de 2014

Aquecem as palavras que o vento derreteu

É simples.
O vento canta janela à fora e a porta não se abre. 
Fixa, sem chave.
Dobradiça antiga, dos tempos que pairávamos junto a lareira:
havia fome.
O frio enroscava-se entre as frestas na parede, esvoaçava pelo telhado íngreme.
E enquanto o vento domava gritos transformados em canções,
eu, com olhos afiados de guilhotina, cortava as palavras do único livro que até então conhecera,
lera. E sua capa verde-velho, antes floresta viva em primavera, agora oliva desfocado no presente,
mostrava-me que as coisas todas se vão; que os dias quase sempre mudam a direção e que a água esfria depois de quente. Jamais esquecerei quando ganhei este livro de presente. 
O que fica é a lembrança costurada na memória relutando em palmatórias, chorando e rindo o reviver ou, 
a satisfação contente de viver agridocemente: aquela certa alegria depois de arrancar um dente careado, que á dias não nos deixa mastigar e insiste em doer e incomodar, para poder enfim estilhaçar um pedaço de carne, de gente.
Havia fome.
Assim repousavam os dias em lembranças, é inverno. 
Durante a noite era preciso ficar bem perto do fogo, não pelo frio, mas para assim conseguir ler as palavras que o livro trazia, ou então, acender velas. 
Os olhos doíam, e as vezes choravam sem querer, talvez fosse o cansaço. 
Não. Ler não me cansava, embora lesse sempre o mesmo livro, reescrevera-o em versos tão distantes que jamais nada os irá resgatar. 
Criava e recriava contos ou romances inteiros. Haviam poemas perdidos pelo meio e cantos que embalavam o ninar: sim, sempre insisti em sonhar.
Cortava as letras,  mesmo com meus dedos gelados - pontas roxas, não poderia escrever. Também, não havia mais papel, ou tinta e caneta de pena. 
Tudo se fora.
Tardes quentes perdidas, pois tantas cartas foram escritas, enviadas. Mesmo assim não houve perdão. De nada adiantam palavras bonitas quando se magoa um coração. E eu não só magoara aquele pobre coração como o estilhaçara em tantos pedaços que jogados ao fogo, eram agora a cinza da fogueira que parecia de nada aquecer as mãos.
Fazia frio e doía a solidão. 


Logo as palavras renovar-se-ão...