domingo, 5 de janeiro de 2014

Aquecem as palavras que o vento derreteu

É simples.
O vento canta janela à fora e a porta não se abre. 
Fixa, sem chave.
Dobradiça antiga, dos tempos que pairávamos junto a lareira:
havia fome.
O frio enroscava-se entre as frestas na parede, esvoaçava pelo telhado íngreme.
E enquanto o vento domava gritos transformados em canções,
eu, com olhos afiados de guilhotina, cortava as palavras do único livro que até então conhecera,
lera. E sua capa verde-velho, antes floresta viva em primavera, agora oliva desfocado no presente,
mostrava-me que as coisas todas se vão; que os dias quase sempre mudam a direção e que a água esfria depois de quente. Jamais esquecerei quando ganhei este livro de presente. 
O que fica é a lembrança costurada na memória relutando em palmatórias, chorando e rindo o reviver ou, 
a satisfação contente de viver agridocemente: aquela certa alegria depois de arrancar um dente careado, que á dias não nos deixa mastigar e insiste em doer e incomodar, para poder enfim estilhaçar um pedaço de carne, de gente.
Havia fome.
Assim repousavam os dias em lembranças, é inverno. 
Durante a noite era preciso ficar bem perto do fogo, não pelo frio, mas para assim conseguir ler as palavras que o livro trazia, ou então, acender velas. 
Os olhos doíam, e as vezes choravam sem querer, talvez fosse o cansaço. 
Não. Ler não me cansava, embora lesse sempre o mesmo livro, reescrevera-o em versos tão distantes que jamais nada os irá resgatar. 
Criava e recriava contos ou romances inteiros. Haviam poemas perdidos pelo meio e cantos que embalavam o ninar: sim, sempre insisti em sonhar.
Cortava as letras,  mesmo com meus dedos gelados - pontas roxas, não poderia escrever. Também, não havia mais papel, ou tinta e caneta de pena. 
Tudo se fora.
Tardes quentes perdidas, pois tantas cartas foram escritas, enviadas. Mesmo assim não houve perdão. De nada adiantam palavras bonitas quando se magoa um coração. E eu não só magoara aquele pobre coração como o estilhaçara em tantos pedaços que jogados ao fogo, eram agora a cinza da fogueira que parecia de nada aquecer as mãos.
Fazia frio e doía a solidão. 


Logo as palavras renovar-se-ão... 

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