sábado, 24 de julho de 2010

Do cheiro à boca

De onde vem os sentimentos?
Existe uma estrela á anos luz, que involuntariamente espirra partículas de brilho até que cheguem na camada de ozônio e sejam absorvidas pelo cérebro humano, para então, refletirem no espaço de tempo que aponta a nossa vida?
É essa a sensação que determinadas situações me fazem pensar. Situações das quais não consigo capturar, não consigo guardar numa caixinha de cristal ou papelão. Partes do viver, que, de alguma forma sussurram um leve sopro no meu tímpano, mostrando que aquilo não vem de mim.
Absurdo pensar que minhas lágrimas ou risos não vieram de mim?
Não.
Tal sensação me permitiu sentir ainda mais o que hoje, eu realmente posso dizer que sinto. Sentir-se fora de mim, permitiu voltar para dentro de mim mesma, ou, estar em mim mesma como jamais estivera.
Tantos são os segredos que existem além do arco-íris, e, até mesmo, para manter-se de olhos abertos por dias á fio. Segredos tão inúteis quanto saber se chove ou não amanhã.
A essência está em sentir-se em você mesmo. E, sentir-se, ultrapassa qualquer gosto entre areia e mar, ou algodão doce e nuvens que dançam no ar. É calor e tinta com flocos de chocolate que se misturam num gramado verde, condensados em sorrisos e sangue com o macio misturado á pequenas agulhas de vento. É a intensidade que não se pode explicar.
Intensidade improvável, que provoca a veracidade em todos os sentimentos, de um lado á outro do sol no horizonte. Os transforma, deixa os poros livres.
Liberdade não é poder viver de determinada forma, poder sentir as correntes saindo dos pés, mas sim, saber conduzir a vida de determinada forma, transformar as correntes em flores amarelas no inverno.
A essência livre é ser no ser...

E os ratos correm no forro da casa, procurando por amor. Tem seus filhotes entre caixas e sacos de arroz, como se a vida fosse o agora, como realmente é. Distinguem o veneno, e se entopem longe do sol. Se escondem nas prateleiras, sabendo a hora de gritar ou não.
Convivem com as baratas, da mesma forma que convivem com as telhas e azulejos entre paredes e chão. Não sabem a diferença de um dólar ou um real, mas sabem exatamente quando devem comer o queijo da ratoeira. Mesmo assim, às vezes, um ou outro acaba com a cabeça decapitada.
O que eles querem ouvir? Um blues barato, ou aquele que se intitula como ‘faça você mesmo’; como se as ações humanas não fossem feitas elas por elas mesmas. Querem ouvir qualquer coisa que não seja o miado de um gato, procurando pela presa, para então se divertir. Da mesma forma que aquele homem no grande centro procurava uma prostituta para prender os pulsos na cama de um motel qualquer. Ouvir o que lhe convém; na hipocrisia camuflada no barulho dos carros no transito louco, na correria do dia-a-dia.  Pressa. Todos têm pressa. Assim, acabam não ouvindo os ratos correndo nos forros, gritando loucamente apaixonados... Como eu, como você.
O livre arbítrio consiste em escolher se coloco a dose de uísque desse lado da mesa, ou daquele. Escolher o todo, no meio de tudo; mas saber o que realmente convém, é o que faz as pessoas tomarem remédios para dormir e outros para acordar.
A incerteza da certeza nas escolhas.

Cebola faz chorar, cortar?


Hoje me perguntaram se eu tinha vergonha. Vergonha, de alguma atitude que fizera ou deixara de fazer. E eu, eu respondi que sim. Eu tenho vergonha. E não vejo nada de errado em tal sentimento.
 O sentimento de embaraço que certas situações nos permitem sentir, é de certa forma, estimulante nas palpitações. A vergonha, pode ser vista nas mais singulares situações do nosso cotidiano, assim como todos os sentimentos que nos permitem perceber mais intensamente nós em nós mesmos e em relação ao todo que nos rodeia.
Às vezes ouço que, as pessoas perderam a ‘vergonha na cara’, fazem tudo o que fazem sem medir conseqüências. Chamam isso de perder a ‘vergonha na cara’? Eu chamo de viver. Qual é o problema de abandonar os rótulos e derramar o líquido no chão? Porque, no fim, ainda se é humano... São os mesmos pulmões gritando contra a nicotina, o mesmo coração suando prá manter o sangue circulando, os mesmos poros se espedaçando. No fim, ainda somos a estrutura que nos mantém em pé...
Eu sinto vergonha, ainda fico com o rosto avermelhado quando olho prá ele no meio do bar, de longe, e, suavemente vejo um singelo ‘oi’, que por mais singelo, me valeu o entusiasmo contando os dias, até que o ‘oi’, saísse de sua boca e viesse em minha direção, prá somente o ver de longe, ainda que sinta perto...
Sinta vergonha, assim como sente a vontade de levar mais um copo de conhaque á boca prá tentar esquecer... Mas não esqueça.

Glândulas na mão

Quando os degraus do ônibus terminavam e os olhos procuravam um lugar vago para se sentar, as pernas já sabiam que não descansariam. No entanto, a viagem era curta, não haveria problema em ficar em pé, pelo contrário: ficar em pé foi o passo dado para perceber as notáveis conseqüências que o aglomero de pessoas causava, entre o som que os pneus soluçavam ao entrar em contato com as pequenas pedras soltas no asfalto.
Palavras misturadas ao suor que escorria na testa reluzente, saiam da boca que mastigava um típico salgadinho que se compra para viagens, e que havia contaminado todo o ônibus com um cheiro de queijo, que aos poucos, trazia o vômito no ar. Contudo, o vento que entrava pelo pequeno espaço da janela aberta, com metade da cabeça de uma criança para fora, que com olhos ora fechados, ora abertos, transpareciam o gosto de sentir o vento batendo na cara; assim, o vento que entrava pelas mais ‘invisíveis’ frestas levava para a estrada o cheiro que trazia a tona o vômito, e o deixava se perder entre as árvores e plantações que enfeitavam um lado e outro da rota que o ônibus fazia.
O vento e suas saudáveis provocações. Vomite! Os olhos do senhor na beira dos 60 diziam para a morena de 27 que, contando um compasso de dois tempos, colocava a mão entre nariz e boca. Eu observava e era observada.
Dois passos á direita alguém com óculos escuros, roia as unhas e olhava na minha direção. Parecia que sabia o que procurava e eu temia que estivesse , de fato, procurando. Desviei a sinestesia e me concentrei em sair depressa do ônibus e correr para o mais longe que pudera. Esperei. Lentamente movi os passos, ele não imaginava que eu sairia antes de onde seus pensamentos já haviam traçado. Saí, corri e me perdi no meio da multidão. O cara das unhas roídas? Deve estar morto, é o preço que se paga por missões inacabadas. Eu? Eu me aposentei, agora como as maçãs do pecado...

Quando o conceito de realidade se molda num piscar de olhos diante de todo o espaço que nos mantém em pé, o conceito de imaginação voa. Então, a realidade que criei junto com a imaginação que já existia, amasiam. Entram na dança dos sons preponderantes que surgem entre meio ouvido e bocas; parte do nariz em direção aos pulmões atravessando o fluxo de glóbulos vermelhos, e explodem um pouco acima das unhas do pé. Provoca certas feriadas, entretanto, saram rápido.  


Feridas que se movem como tempestade, raios e trovões mostram o exagero nas explosões que não permitem que as feridas cicatrizem direito, para fim de dar espaço para uma nova ferida. Assim, a inércia avermelhada foge dos olhos e dos dedos. Mas, o que torna visível a dor nas feridas, são as tantas vezes que a inércia é perdida, ou tantas as vezes que não é nem encontrada, que dirá sentida. A falta de percepção sobre a inércia das feridas é o que ás tornam feridas.