sábado, 23 de outubro de 2010

Provoque!



Atire em ti mesmo. Provoque a dor e sinta a vida aclamando para ser ouvida. Veja tuas células morrendo e lhes ofereça não só proteína. Injete amor nos teus dias, transponha sal na tua carne. Ofereça teus ossos ao vento e esqueça-te de todos os lamentos. Transpareça o movimento e deixe-se perfurar. Penetre as mãos na areia e delire com o gozo no ar. Permita-se não respirar e continue a sonhar, viver, amar.
Coma teus braços e engasgue-te de ti. Vomite tuas veias e mude o movimento do teu sangue. Retire dos teus rins toda a estagnação. Urine teus templos e construa sem nada esperar. Dos teus pés tire notas, compunha com violinos sons para tua órbita ocular.
Atire em ti mesmo e dê vida ao coração. Mostre ao teu sono o que fazes antes de deitar. Deite-se com teus anjos para que teus demônios possam se perpetuar. Engula tua língua e obrigue teus ouvidos a falar. Mostre tua voz ao vento e não queira nenhum altar. Deixe as paredes do lado de fora e, do universo faça teu lar. Atinja teus sofrimentos e delibere o que há de falar. Escreva nos dentes a retórica de se apaixonar. Do cálcio faça o transpirar, retirar. Mastigue os cercados e as flores, permita-se o transparecer dos amores, e cuspa o que há de voltar. Arranque as próprias feridas, obrigue-as a cicatrizar. Desmembre toda essa casca que envolve o teu trabalhar. Queira uma nova partida, moa tuas unhas e sopre-as no campo do mar. Faça um cigarro do teu DNA, encha teus pulmões com todo o teu pensar. Queime as páginas que te impedem de dançar, pule aquele passo guardado para o casar.  Compartilhe com teus ouvidos tudo o que está a faltar no falar. Acrescente uma mescla de seguir no parar. Siga parando para observar.
Destrua a ti mesmo e se reconstrua com um piscar. Quantos anos vai fazer durar? Morra sem pensar em ressuscitar. Ressuscite sem deixar de respirar. Respire sem pensar em parar; pare, sem perceber o respirar. Olhe para ti e deixe-se olhar. Atire em ti sem sangue algum jorrar...
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É fácil dizer que as desigualdades sociais sempre existiram, e em seguida cruzar os braços em frente a TV, sem nada fazer. Enquanto isso, uma criança morre de fome no mundo a cada oito segundos, levando os sonhos que você se quer, permite-se ter. 
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domingo, 17 de outubro de 2010

Algodão doce?


Poderia trazer-te o vento, e com ele todo o sentimento que as nuvens explodem, solitárias no ar. A chuva é o seu choro, aclamando para ser ouvida. Contudo, nos esquivamos das gotas despejadas no ar. O guarda-chuva faz com que os raios mostrem a fria dor das nuvens. E não há dor maior do que a dor das nuvens... Mal entendidas...
Como se alegram quando nos deitamos e, suavemente, com nossos dedos no ar, as desenhamos. Trazemos forma ao branco puro que flutua, como algodão doce.
 Como é lindo o seu riso quando elevamos nossos olhos ao céu, e não as deixamos passar despercebidas.
Como se sentem abraçadas, consoladas, quando abrimos nossos braços e sentimos o seu choro.
Como gostam de conversar e sorrir, quando nos permitem flutuar com elas...
Como é difícil ver as nuvens e deixar de ver a nós mesmos. E, como são solidárias quando nos vêem na solidão. Nos oferecem companhia, nos mostram a alegria... [...]
Como dói ao vento, tentar mostrar o movimento das nuvens, aos olhos que não o vê.
Como é difícil ver o vento, e tentar mostrá-lo á olhos alheios... Mais difícil ainda é mostrar o coração das nuvens, aos corações que só sentem o próprio pulsar...
Como é difícil controlar o próprio pulsar, quando as mãos tremem, de modo que o parar de respirar pudesse acontecer a qualquer instante, mesclando a imensa vontade de viver ainda mais...
Ah... Se não fossem as nuvens para acalmar, como o vasto azul do céu acabaria por nos cegar...
Como podes ficar no mesmo lugar, com tantas nuvens dispostas a te carregar? Com tantos universos prá desvendar? [...]
Deixe-se flutuar... Mas não se deixe levar- amar.

Pétalas de gelo.

Não me convém conter palavras por medo. Embora as tempestades de verão atrapalhem as tardes de sol, são fundamentais no crescimento das flores da primavera. E eu, eu gosto de primaveras com muitas flores, cores, cheiros e sabores. Resgatar delas toda a essência que o movimento precisa e converter em passos.
Passos que o coração dá sem perceber, no meio das tempestades de verão. E que só são sentidos no florescer da primavera.
Primavera que pode aparecer no meio do inverno ou, em momento algum. A questão é cultivar serenamente as flores. Pois, elas não nascem do dia para a noite. E quando assim se fazem, acabam por murchar rapidamente. O gosto se vai e nem mesmo a cor é resgatada.
Que cor tem tuas flores? Que cheiro tem tua pele ao roçar nas cores? [...]
Os dizeres nas tempestades fortalecem as flores das primaveras. Flores que podem permanecer radiantes nos mais rigorosos invernos. Podem trazer risos e enxugar as lágrimas...
Não só de beijos vivem os amores. Não é só de calor que se faz o verão. As estações se condensam na pele e moldam a vida. Fazem do riso a harmonia do entardecer. Do choro a vontade de viver. E, das flores que um dia  permitiram viver, acabam por deixar-nos morrer. Entretanto, mesmo não vivendo com as flores, elas trazem o morrer, pelo viver na ausência delas. 
[...] Flores, cheiros e sabores que o coração insiste em querer, e a pele em transparecer...

Cigarro.

De minha parte é puro amor. Mas da dele, é o mais profundo sadismo. [...]


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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sem canto, ali.


O monstro costurava teus olhos e comia-te o coração. Fazia-te em mil pedaços e tu nada sentias. Ignorava, se quer ouvia. Que dirá veria. Teus olhos só filtravam teu andar, o som da rua passava despercebido entre teu nariz; que contentava-se com o dançar dos pêlos de outro alguém. O monstro lhe conduzia. E tu, na maior insensatez seguia...
Olhos costurados nada viam além da rotina. Teu coração palpitava longe de ti, mesmo assim pensava que o sentia. Tuas mãos mutiladas nada despiam, apenas carimbavam com a mesma tinta azul, que para ti cheiro algum tinha. Teus pés tortos procuravam sempre a direita; seguindo o mesmo caminho.
O mostro lhe devorava aos poucos e tu ainda prazer sentia. Unhas sujas de esmalte se enchiam, disfarçavam a agonia. A gravata enforcava os dias e teu sangue ainda assim corria. Beijos arrancavam-te as pernas e o sussurrar quase sempre te engolia.
Vinho nas quintas-feiras, traziam danças que o mostro oferecia. Olhos abertos a noite toda diziam que tu sofria. O mostro andava e cuspia, porque sabia que tu te entregarias. Ele te pegaste na quinta avenida, e tu marchaste sem ver clarear o dia... Na noite nada mais te surpreenderia.

Reflexos fechados


E o que diz a árvore ao gafanhoto?
-Abra os olhos e ouça. Deixe tuas mãos deslizarem longe de ti. Ande...
Vá além do que teus ouvidos podem sentir. Permita que teus pés dancem, flutuem...
Sorria com os dedos e mostre aos teus cabelos o quão bom é voar. Sonhe...
Feche os olhos e veja tudo que tua pupila contrai. Abra os olhos e continue vendo, tudo que da tua cabeça sai. Transforme...
Crie ponto nos losangos e jogue tinta. Tinta fresca como o sangue que jorra das tuas veias, do teu coração. Ame...
Contorne os traços no toque das mãos. Sorria com os olhos, troque de coração. Perdoe...
Arranque a mágoa sem medo da solidão. Saia do corpo e da mente. Ilusão?
Olhe para ti. Olhe para ti... És o teu próprio reflexo pedindo para que tu o vejas também de olhos fechados. 

Antropófago de cera.


[...] deixe-se contemplar por alguns instantes. Depois tire-lhe a luz. Transporte o sentir para aquele objeto que transparece fogo, mas nada sente. Faça-o sentir. Faça o sentir e depois apague-o. Deixe-o na dor de não queimar. Faça-o encontrar outras maneiras para queimar. Transporte o teu queimar real, mostre o teu queimar, mas não o queime. Deixe-o lutar, e se preciso for ‘mate-o’. Mostre ao objeto o calor que envolve o queimar, faça-o suar.
Ensine-o a sentir o que tu sentes. Então, sinta mais do que tu podes. Dê vida ao objeto, ensine-o a queimar. Transpasse com um suave movimento de dedos, mas com intensidade, a forma de ascender. Queime teus ossos, não deixe o fogo apagar.
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Lágrimas engasgadas matam tanto quanto sorrisos que a boca dá sem vontade. 

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Guarnecer.


Não é preciso escrever longas linhas, para encantar olhos alheios, já que o encanto começa de ti mesmo.
Um simples sopro no vento é suficiente.[...]
Mesmo não sabendo, não vendo, ele vai. Vai para longe dos olhos, leva o gosto dos lábios que o sopro sugou.
Transpira a saliva que o vento fortifica, petrifica.
Da pedra faz poeira que suavemente com impacto ímpeto faz cair nos olhos, que começam a arder. Mais que depressa as mãos agem, vão de encontro aos olhos agora vermelhos. O coçar acontece. Entretanto não é suficiente. O sinal é dado quando um dos olhos se fecha. Agora é preciso lavá-los com água para que a poeira saia. As pernas agem com sensatez e rapidez de encontro à água. Então, não só olhos, mas todo o rosto é tocado pelas gotas de água gelada. O alívio começa a aparecer. A ardência vai desaparecendo aos poucos. Aos olhos alheios a poeira se perdeu entre as partículas de H2O. Porém, não só os olhos que arderam, mas as mãos e toda a face carregam a poeira, que ficou impregnada entre as unhas e cílios. Sentem o gosto da saliva que o vento carregava, e agora também querem salivar contra o vento- palavras.
[...]

Diluir


Perdoa meus pensamentos, ao redor do teu nome e da tua pele jamais tocada.
Perdoa meus delírios, e o suor escorrendo pelas noites onde os olhos se fechavam na estrada.
Perdoa contemplar-te, mesmo não lhe conhecendo...
Perdoa meu riso, quando te olho em retratos. E toda a loucura que tua cor me transparece.
Perdoa querer-te de longe, sem coragem para chegar perto. 
Perdoa as palavras curtas e objetivas, que meus dedos daqui te jogam. Pois minha boca trava e as palavras com certo medo se calam diante dos teus olhos, ainda não vistos.
Perdoa minha solidão na tua espera, que embora o peito queira, podes não chegar.
Perdoa encantar-me com tuas mãos, e a minha reza para que cultives.
Perdoa a água ardente entre quatro paredes, com tua imagem condensada nos tijolos e, teu fantasma que me perseguindo, sempre.
Perdoa minha utopia deslizando pelas tuas pernas, enquanto meus olhos deslizam pela tua boca.
Perdoa meu viver-te assim de longe, e minha indecorosa lucidez em não te dizer.
Perdoa minha destreza em te sentir, e minha subversão segurando cuidadosamente o teu coração.
Perdoa o meu andar na dissimulação de te encontrar.
Perdoa o som da minha boca, insistindo em sorrir. E todo o caos que envolve corpo, alma, ar, na voracidade dos teus ossos, água e ar.
Perdoa contemplar-te depois de me contemplar... 
Perdoa enfim primeiro amar-me, e continuar sempre, a caminhar.

Cansaço


Lavava o rosto antes de dormir pedindo a si próprio, o socorro. Fechava os olhos antes de cair na cama. O travesseiro molhado contava as marcas do dia: na espera do asfalto.
A noite escrevia sonhos, moldava passos: parados. Nada ia além da chave que trancava o armário.
Nos vidros da janela fechada, refletia a agonia que as paredes contorciam.
A noite amenizava, costurava pontos na pele apodrecida: partida. Como se houvesse sempre a despedida, de si mesmo.
O pé direito ao levantar gritava querendo mudar... Mas a noite logo vinha para os olhos fechar: levar calmamente o acordar.
Cabeça utópica: ar. 
Continuar sempre a respirar. 
-     Não posso tomar muito café [Dizia]. Toda a carne que envolve os meus ossos ardem de desgosto, lutam para que o movimento leve tudo que está intacto. Mesmo que nada esteja... Os olhos insistem em encontrar o que não se vê, ao certo. Tudo no entanto, queima. [...]
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Me sufoca o peito uma agonia sem igual. 
É como perceber o erro na soma dos catetos e, 
mesmo assim permanecer sem a hipotenusa.

 Negar a resposta é cuspir em todo o caminhar além dos números. 
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