sábado, 23 de outubro de 2010

Provoque!



Atire em ti mesmo. Provoque a dor e sinta a vida aclamando para ser ouvida. Veja tuas células morrendo e lhes ofereça não só proteína. Injete amor nos teus dias, transponha sal na tua carne. Ofereça teus ossos ao vento e esqueça-te de todos os lamentos. Transpareça o movimento e deixe-se perfurar. Penetre as mãos na areia e delire com o gozo no ar. Permita-se não respirar e continue a sonhar, viver, amar.
Coma teus braços e engasgue-te de ti. Vomite tuas veias e mude o movimento do teu sangue. Retire dos teus rins toda a estagnação. Urine teus templos e construa sem nada esperar. Dos teus pés tire notas, compunha com violinos sons para tua órbita ocular.
Atire em ti mesmo e dê vida ao coração. Mostre ao teu sono o que fazes antes de deitar. Deite-se com teus anjos para que teus demônios possam se perpetuar. Engula tua língua e obrigue teus ouvidos a falar. Mostre tua voz ao vento e não queira nenhum altar. Deixe as paredes do lado de fora e, do universo faça teu lar. Atinja teus sofrimentos e delibere o que há de falar. Escreva nos dentes a retórica de se apaixonar. Do cálcio faça o transpirar, retirar. Mastigue os cercados e as flores, permita-se o transparecer dos amores, e cuspa o que há de voltar. Arranque as próprias feridas, obrigue-as a cicatrizar. Desmembre toda essa casca que envolve o teu trabalhar. Queira uma nova partida, moa tuas unhas e sopre-as no campo do mar. Faça um cigarro do teu DNA, encha teus pulmões com todo o teu pensar. Queime as páginas que te impedem de dançar, pule aquele passo guardado para o casar.  Compartilhe com teus ouvidos tudo o que está a faltar no falar. Acrescente uma mescla de seguir no parar. Siga parando para observar.
Destrua a ti mesmo e se reconstrua com um piscar. Quantos anos vai fazer durar? Morra sem pensar em ressuscitar. Ressuscite sem deixar de respirar. Respire sem pensar em parar; pare, sem perceber o respirar. Olhe para ti e deixe-se olhar. Atire em ti sem sangue algum jorrar...
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É fácil dizer que as desigualdades sociais sempre existiram, e em seguida cruzar os braços em frente a TV, sem nada fazer. Enquanto isso, uma criança morre de fome no mundo a cada oito segundos, levando os sonhos que você se quer, permite-se ter. 
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domingo, 17 de outubro de 2010

Algodão doce?


Poderia trazer-te o vento, e com ele todo o sentimento que as nuvens explodem, solitárias no ar. A chuva é o seu choro, aclamando para ser ouvida. Contudo, nos esquivamos das gotas despejadas no ar. O guarda-chuva faz com que os raios mostrem a fria dor das nuvens. E não há dor maior do que a dor das nuvens... Mal entendidas...
Como se alegram quando nos deitamos e, suavemente, com nossos dedos no ar, as desenhamos. Trazemos forma ao branco puro que flutua, como algodão doce.
 Como é lindo o seu riso quando elevamos nossos olhos ao céu, e não as deixamos passar despercebidas.
Como se sentem abraçadas, consoladas, quando abrimos nossos braços e sentimos o seu choro.
Como gostam de conversar e sorrir, quando nos permitem flutuar com elas...
Como é difícil ver as nuvens e deixar de ver a nós mesmos. E, como são solidárias quando nos vêem na solidão. Nos oferecem companhia, nos mostram a alegria... [...]
Como dói ao vento, tentar mostrar o movimento das nuvens, aos olhos que não o vê.
Como é difícil ver o vento, e tentar mostrá-lo á olhos alheios... Mais difícil ainda é mostrar o coração das nuvens, aos corações que só sentem o próprio pulsar...
Como é difícil controlar o próprio pulsar, quando as mãos tremem, de modo que o parar de respirar pudesse acontecer a qualquer instante, mesclando a imensa vontade de viver ainda mais...
Ah... Se não fossem as nuvens para acalmar, como o vasto azul do céu acabaria por nos cegar...
Como podes ficar no mesmo lugar, com tantas nuvens dispostas a te carregar? Com tantos universos prá desvendar? [...]
Deixe-se flutuar... Mas não se deixe levar- amar.

Pétalas de gelo.

Não me convém conter palavras por medo. Embora as tempestades de verão atrapalhem as tardes de sol, são fundamentais no crescimento das flores da primavera. E eu, eu gosto de primaveras com muitas flores, cores, cheiros e sabores. Resgatar delas toda a essência que o movimento precisa e converter em passos.
Passos que o coração dá sem perceber, no meio das tempestades de verão. E que só são sentidos no florescer da primavera.
Primavera que pode aparecer no meio do inverno ou, em momento algum. A questão é cultivar serenamente as flores. Pois, elas não nascem do dia para a noite. E quando assim se fazem, acabam por murchar rapidamente. O gosto se vai e nem mesmo a cor é resgatada.
Que cor tem tuas flores? Que cheiro tem tua pele ao roçar nas cores? [...]
Os dizeres nas tempestades fortalecem as flores das primaveras. Flores que podem permanecer radiantes nos mais rigorosos invernos. Podem trazer risos e enxugar as lágrimas...
Não só de beijos vivem os amores. Não é só de calor que se faz o verão. As estações se condensam na pele e moldam a vida. Fazem do riso a harmonia do entardecer. Do choro a vontade de viver. E, das flores que um dia  permitiram viver, acabam por deixar-nos morrer. Entretanto, mesmo não vivendo com as flores, elas trazem o morrer, pelo viver na ausência delas. 
[...] Flores, cheiros e sabores que o coração insiste em querer, e a pele em transparecer...

Cigarro.

De minha parte é puro amor. Mas da dele, é o mais profundo sadismo. [...]


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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Sem canto, ali.


O monstro costurava teus olhos e comia-te o coração. Fazia-te em mil pedaços e tu nada sentias. Ignorava, se quer ouvia. Que dirá veria. Teus olhos só filtravam teu andar, o som da rua passava despercebido entre teu nariz; que contentava-se com o dançar dos pêlos de outro alguém. O monstro lhe conduzia. E tu, na maior insensatez seguia...
Olhos costurados nada viam além da rotina. Teu coração palpitava longe de ti, mesmo assim pensava que o sentia. Tuas mãos mutiladas nada despiam, apenas carimbavam com a mesma tinta azul, que para ti cheiro algum tinha. Teus pés tortos procuravam sempre a direita; seguindo o mesmo caminho.
O mostro lhe devorava aos poucos e tu ainda prazer sentia. Unhas sujas de esmalte se enchiam, disfarçavam a agonia. A gravata enforcava os dias e teu sangue ainda assim corria. Beijos arrancavam-te as pernas e o sussurrar quase sempre te engolia.
Vinho nas quintas-feiras, traziam danças que o mostro oferecia. Olhos abertos a noite toda diziam que tu sofria. O mostro andava e cuspia, porque sabia que tu te entregarias. Ele te pegaste na quinta avenida, e tu marchaste sem ver clarear o dia... Na noite nada mais te surpreenderia.

Reflexos fechados


E o que diz a árvore ao gafanhoto?
-Abra os olhos e ouça. Deixe tuas mãos deslizarem longe de ti. Ande...
Vá além do que teus ouvidos podem sentir. Permita que teus pés dancem, flutuem...
Sorria com os dedos e mostre aos teus cabelos o quão bom é voar. Sonhe...
Feche os olhos e veja tudo que tua pupila contrai. Abra os olhos e continue vendo, tudo que da tua cabeça sai. Transforme...
Crie ponto nos losangos e jogue tinta. Tinta fresca como o sangue que jorra das tuas veias, do teu coração. Ame...
Contorne os traços no toque das mãos. Sorria com os olhos, troque de coração. Perdoe...
Arranque a mágoa sem medo da solidão. Saia do corpo e da mente. Ilusão?
Olhe para ti. Olhe para ti... És o teu próprio reflexo pedindo para que tu o vejas também de olhos fechados. 

Antropófago de cera.


[...] deixe-se contemplar por alguns instantes. Depois tire-lhe a luz. Transporte o sentir para aquele objeto que transparece fogo, mas nada sente. Faça-o sentir. Faça o sentir e depois apague-o. Deixe-o na dor de não queimar. Faça-o encontrar outras maneiras para queimar. Transporte o teu queimar real, mostre o teu queimar, mas não o queime. Deixe-o lutar, e se preciso for ‘mate-o’. Mostre ao objeto o calor que envolve o queimar, faça-o suar.
Ensine-o a sentir o que tu sentes. Então, sinta mais do que tu podes. Dê vida ao objeto, ensine-o a queimar. Transpasse com um suave movimento de dedos, mas com intensidade, a forma de ascender. Queime teus ossos, não deixe o fogo apagar.
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Lágrimas engasgadas matam tanto quanto sorrisos que a boca dá sem vontade. 

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Guarnecer.


Não é preciso escrever longas linhas, para encantar olhos alheios, já que o encanto começa de ti mesmo.
Um simples sopro no vento é suficiente.[...]
Mesmo não sabendo, não vendo, ele vai. Vai para longe dos olhos, leva o gosto dos lábios que o sopro sugou.
Transpira a saliva que o vento fortifica, petrifica.
Da pedra faz poeira que suavemente com impacto ímpeto faz cair nos olhos, que começam a arder. Mais que depressa as mãos agem, vão de encontro aos olhos agora vermelhos. O coçar acontece. Entretanto não é suficiente. O sinal é dado quando um dos olhos se fecha. Agora é preciso lavá-los com água para que a poeira saia. As pernas agem com sensatez e rapidez de encontro à água. Então, não só olhos, mas todo o rosto é tocado pelas gotas de água gelada. O alívio começa a aparecer. A ardência vai desaparecendo aos poucos. Aos olhos alheios a poeira se perdeu entre as partículas de H2O. Porém, não só os olhos que arderam, mas as mãos e toda a face carregam a poeira, que ficou impregnada entre as unhas e cílios. Sentem o gosto da saliva que o vento carregava, e agora também querem salivar contra o vento- palavras.
[...]

Diluir


Perdoa meus pensamentos, ao redor do teu nome e da tua pele jamais tocada.
Perdoa meus delírios, e o suor escorrendo pelas noites onde os olhos se fechavam na estrada.
Perdoa contemplar-te, mesmo não lhe conhecendo...
Perdoa meu riso, quando te olho em retratos. E toda a loucura que tua cor me transparece.
Perdoa querer-te de longe, sem coragem para chegar perto. 
Perdoa as palavras curtas e objetivas, que meus dedos daqui te jogam. Pois minha boca trava e as palavras com certo medo se calam diante dos teus olhos, ainda não vistos.
Perdoa minha solidão na tua espera, que embora o peito queira, podes não chegar.
Perdoa encantar-me com tuas mãos, e a minha reza para que cultives.
Perdoa a água ardente entre quatro paredes, com tua imagem condensada nos tijolos e, teu fantasma que me perseguindo, sempre.
Perdoa minha utopia deslizando pelas tuas pernas, enquanto meus olhos deslizam pela tua boca.
Perdoa meu viver-te assim de longe, e minha indecorosa lucidez em não te dizer.
Perdoa minha destreza em te sentir, e minha subversão segurando cuidadosamente o teu coração.
Perdoa o meu andar na dissimulação de te encontrar.
Perdoa o som da minha boca, insistindo em sorrir. E todo o caos que envolve corpo, alma, ar, na voracidade dos teus ossos, água e ar.
Perdoa contemplar-te depois de me contemplar... 
Perdoa enfim primeiro amar-me, e continuar sempre, a caminhar.

Cansaço


Lavava o rosto antes de dormir pedindo a si próprio, o socorro. Fechava os olhos antes de cair na cama. O travesseiro molhado contava as marcas do dia: na espera do asfalto.
A noite escrevia sonhos, moldava passos: parados. Nada ia além da chave que trancava o armário.
Nos vidros da janela fechada, refletia a agonia que as paredes contorciam.
A noite amenizava, costurava pontos na pele apodrecida: partida. Como se houvesse sempre a despedida, de si mesmo.
O pé direito ao levantar gritava querendo mudar... Mas a noite logo vinha para os olhos fechar: levar calmamente o acordar.
Cabeça utópica: ar. 
Continuar sempre a respirar. 
-     Não posso tomar muito café [Dizia]. Toda a carne que envolve os meus ossos ardem de desgosto, lutam para que o movimento leve tudo que está intacto. Mesmo que nada esteja... Os olhos insistem em encontrar o que não se vê, ao certo. Tudo no entanto, queima. [...]
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Me sufoca o peito uma agonia sem igual. 
É como perceber o erro na soma dos catetos e, 
mesmo assim permanecer sem a hipotenusa.

 Negar a resposta é cuspir em todo o caminhar além dos números. 
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quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Passo leve, política, Mudança?


Civilização com memória olvidada em movimento retilíneo desfigurado e, ênfase na holística controversa. Assim é o ser humano em relação á política. Principalmente brasileiros. Que com a mesma rapidez em que escolhem seus candidatos os esquece.
A ‘grande massa’ [como nos chamam] lembra e ‘discute’ [literalmente] sobre política à cada dois anos. Mas a expectativa aumenta à cada quatro anos. Pois, eleições municipais causam mais efeito á população de cidades do interior do nosso país. Afinal, o contato com o político é muito mais próximo, assim, fica mais fácil cobrar o prometido. E não pense que este ‘prometido’, tem relação com a saúde, transporte, que dirá com a educação dos cidadãos. Este ‘prometido’, tem muito [não seria tudo?] haver com os próprios bolsos. As pessoas contentam-se com as migalhas que são lançadas ao vento, e acabam por se esquecer de tudo que o governo poderia fazer e não faz. 
Não há espanto nisso, até porque, a maioria da população se quer sabe quão grande é o poder governamental. Comemos migalhas e arrotamos a melhor carne do mercado.
Então, observando a forma com que a política é tratada em cidades pequenas, podemos perceber como ela é tratada no Brasil inteiro. Afinal, nosso país é constituído de ‘grande massa’. Eleições presidenciais são devéras mais fáceis do que municipais. O Presidente, assim como o Governador, os Deputados e Senadores estão todos ‘muito’ longe da ‘grande massa’, interiorana. Por isso a tal ‘grande massa’ não se preocupa tanto com eles. Vota conforme a política municipal ‘manda’. No entanto, não deixa de tirar uma porcentagem de benefício próprio. O Governo Estadual e Federal estão longe, mas os próprios bolsos estão sempre perto.
A cada ano fica mais difícil encontrar não só políticos honestos, como eleitores honestos. Como podemos querer um Governo sem corrupção, se a grande maioria votante é corrupta? A corrupção não começa no Senado. Começa com a população brasileira que vende o voto, que se contenta com as migalhas. A ‘grande massa’ fica com as migalhas enquanto os ‘grandes homens’ ficam com as cuecas cheias de dinheiro. Então, quando a notícia aparece como um escândalo político na ‘grande emissora de TV’, ficamos todos indignados, por alguns dias, enquanto a TV mostra, depois esquecemos. Esquecemos e não nos damos conta de que o dinheiro na cueca [ou seja lá onde o coloquem] é resultado das migalhas que nos foram atiradas e que aceitamos. Esquecemos e aceitamos as coisas como estão.
Faltam livros nas escolas, ambulâncias nos hospitais, falta muito em todos os setores, e não ligamos... Só não pode faltar o salário mínimo no fim do mês! Esse sim tem uma importância enorme na vida do brasileiro. Afinal, como é que poderemos pagar a prestação da TV nova, ou do carro financiado com parcelas até o fim da vida, sem o bom e ‘velho’ salário mínimo? Como somos vorazmente perdulários! Como somos bestuntos em relação ao consumo. Como aceitamos tão facilmente o que a ‘grande emissora de TV’ diz. Como podemos aceitar a nossa própria manipulação sem nada fazer?
Nosso país cresce aos poucos, enquanto alguns homens crescem muito. E para ‘melhorar’ a apatia populacional só aumenta.
É de enorme consternação ver um país com uma ‘grande massa’ que não vê, não ouve, não fala, não sente nada além dos próprios bolsos; apenas concorda e mantém-se aprazível nos rumos que o país decide seguir. [ou estamos veemente estagnados?...]
Mais do que bons políticos precisamos de bons eleitores. Só assim podemos subsidiar o crescimento do país. Temos de apagar a ignorância misoneísta imposta, e lutar pela melhoria geral do país. Mas antes, precisamos crescer como seres humanos, como cidadãos, como eleitores. Precisamos nos conscientizar, juntar as migalhas que nos jogam para que o governo experimente a grande torta de mudanças que a ‘grande massa’ é capaz de produzir.[...]

Suscitar

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Arrancaram meus olhos e o puseram no lugar da boca.
Para que eu falasse tudo que eu sentia, sem medo do que eu via.
Para que eu falasse tudo que via, com o sabor misturado da saliva.
Para que eu visse tudo o que eu falava, e sentisse como quem via.
Para não engolir as lágrimas que de mim saíam; mas que sentisse a saliva que eu cuspia.
Arrancaram-me os olhos para ver o vazio que eu já tinha.
Puseram no lugar da boca, para que eu provasse o que em mim existia.
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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Colorindo o vento...

Andava ruas sem fim, procurando o lápis que continha todas as cores. Procurava entre arbustos e flores, temendo que as aranhas o encontrassem primeiro. Obstante caminhou. Caminhou até que os pés sangrassem e as pedras se acabassem diante do chão. Olhar para trás de nada adiantaria, estava muito longe de tudo aquilo que um dia viveu. Tão longe que tinha certa dificuldade em saber o que realmente havia vivido, e, o que era deveras, fruto de sua imaginação. Mesclou o surreal no real, e viveu. Um capricho seu, era encontrar tal lápis. Teria tudo com ele. Tudo! E a ambição de poder ter tudo, fez com que nem ao menos sentisse os pés ardendo em feridas, despejando sangue por onde passava. Não parou. Nem mesmo quando os grilos lhe ofereçam seu Império. Ignorou. 11 dimensões não faziam sentido algum. Árvores e carros de seis rodas não lhe serviam. Queria o lápis. O lápis que continha todas as cores, para assim, colorir toda a sua vida, que á esta altura estava totalmente ausente de cor.
Passou pela estrada de tijolos amarelos, encontrou a árvore com as maçãs envenenadas e por algum tempo, adormeceu naquele veneno. Entretanto, nenhum anão a encontrou. Contentou-se com as cigarras que cantavam as mais belas canções já ouvidas. E, embora desse valor algum pelas canções, insistente que é, as fez cantar a direção de onde se encontrava o lápis com todas as cores. Seguiu tal direção correndo. O corpo não cansava. Contudo, era obrigada a parar, deitar e desenhar escuras flores que as abelhas tratavam de clarear, e sugar a pequena quantidade doce que ainda havia entre seus dedos,  e que ela despejava nas flores que desenhava. Alguns ferrões não inoculavam sua pele, grossa, como casca de angico. As abelhas desistiram, e se foram na direção contrária à que seus pés traçavam.
O sol chorava, derretendo como a boca, quando toma uma sopa quente. A lua, no entanto, mantinha-se sensata, embora às vezes nociva aos olhos noturnos. Mas nenhum dos dois concordava que o lápis pudesse um dia pertencer a tal coração. Que nem sabia-se mais se batia, ou se estava numa esteira: sem perceber o que o alimentava. Era o que parecia. Não só coração, mas fígado e rim transpareciam o mesmo estado: total falta de vida.
O lápis era uma obsessão intensa, que não se importava com o funcionamento dos órgãos; que dirá da fotossíntese que estava bem em sua frente, nas árvores alimentando o ar. Compreensível: quem não entende o que está dentro de si, tão pouco conseguirá entender o que está fora; assim, não valoriza nem o que está dentro, nem o que está fora.
Experimentou as plantas mais amargas, e as frutas mais doces sem perceber a diferença. Parecia que os olhos viam tudo em preto e branco. Parecia que tudo tinha o mesmo gosto. E, mesmo no pólo norte, parecia estar em Cabo Verde. Números não tinham forma, assim como as letras. Confundia ovelhas e nuvens. Mal sabia o nome de cada uma. Mal sabia o próprio nome. Importava-se apenas com o lápis e, podia vê-lo em todo o lugar. Relutava com gravetos, fazendo-os expandir tinta pelos riachos. Certo dia, arrancou o próprio dedo, pensando ser o lápis. Não sentiu dor. Nem falta do mesmo.
Trapos cobriam parte do corpo, outra parte, nua, crua, roçava o chão e delirava-se. Nada tomava os pensamentos além do lápis. Nem mesmo quando encontrou os olhos mais puros, que lhe foram entregues, e, que recusou. Cegueira de tudo. Podiam morrer milhões aos seus pés, que não faria diferença alguma no mundo que criara. E que, era real. Tão real quanto o som que sai da vitrola e encanta as noites de gala em 42, entremeio à torturas que os olhos negavam-se a ver. Não sabia de 42, não sabia de ontem, e pouco ligava para o que acontecia agora. Só importava-lhe o lápis que continha todas as cores.
Tanto importava-lhe o lápis, que, o Sol e a Lua sabiam que nada faria quando o encontrasse. A não ser contemplá-lo. Se preciso, sem dúvida alguma, perfuraria o próprio abdômen para esconde-lo; para torná-lo parte do seu próprio ser. Transformar-se- ia no lápis.
Poderia, em verdade, transformar-se no lápis, mesmo sem o tê-lo. Mas isso jamais passara pela sua cabeça. Não via a própria capacidade de colorir. Precisava de algo que a colorisse, já que havia perdido todas as cores no decorrer da caminhada. [...]
Em certo amanhecer, encontrou-se em vertigem jamais vista, e o que parecia impossível aconteceu: lágrimas escorreram do rosto até a boca, levando o sal aos lábios. Não sabia o que era aquilo e tratou tal acontecimento com indiferença. Mas o sal atormentava seus pensamentos, e não sabia mais se queria encontrar o lápis. Então, deitou-se. Abriu os braços que pareciam estar atrofiados... Ali permaneceu. Sem nada pensar, sem nada saber. Uma vasta ausência de tudo tomou conta de cada poro que respirava. Espaço algum existia, matéria alguma existia naquele momento. O inexplicável aconteceu e tomou conta do explicável. Atirou-se na imensidão do nada.
Morosamente, o lápis com total prodígio, surgiu nos seus olhos. Um sorriso foi o sinal. Com toda cautela encarregou-se de pintar-lhe a pele e o coração. Deu-lhe novos olhos e costurou-lhe um dedo de flores. Fez-lhe roupas de folhas e passou-lhe mel nos cabelos. Os pés e a alma foram lavados com as águas do rio. Limparam-lhe os ouvidos, e pássaros cantavam em lá menor. Margaridas enfeitaram as mãos como anéis. O doce cheiro de canela enchia as narinas. Na boca, cerejas agiam como batom. Nesta altura, o nada estava longe. Foi substituído pelo todo que a cercava, e que havia esquecido. Tudo então fez parte de um mesmo ponto. O lápis apareceu, terminou o trabalho e se foi...
Ao abrir os olhos, estranhou a luz do sol. Tudo estava na mais perfeita harmonia, na mais sublime sintonia. Sentia-se genuína. Regozijava com os pés dançando no ar. Tudo era afável, tudo era motivo para enaltecer. Assim sorria. Assim permaneceu sorrindo... Até que a noite veio e as estrelas encarregaram-se de conduzir as pernas no melhor caminho. Agora, por onde passava, coloria. E, colorindo se foi...

Início da outra rua - mesma.

Fim de tarde gelado, mas o corpo é quente. Talvez isso ocorra devido à quantidade de casacos que tornavam a pele mais macia. Ou, pela alma, que, assemelhava-se às fogueiras da Inquisição. Alma que queimava alegremente, trazendo para o fim da tarde a balbúrdia entre calor x frio. Queimadura de delírios exposta nas folhas secas do jardim. Folhas delirantes! Dançando de mãos dadas com o vento, traçavam nos olhos uma pitoresca imagem, qual foi congelada. O riso escorria pela pele, podia senti r mesmo com tantos casacos tapando o corpo, impedindo-o de também dar as mãos ao vento, e, num gesto demasiadamente promíscuo ser levado pelo vento.
Assim permaneceu. Com folhas nos olhos, com mãos escondidas. Parada, em chamas. Os olhos cravaram-se e mudaram a órbita da visão. Direções sobrepostas agiam como lenha, mantinham o fogo alto: desenhando formas. Assim sorria: uma excentricidade hermética, lutando intensamente para permanecer no chão, como as folhas na praia em meio a uma borrasca. 
Do mesmo modo que lutava para permanecer no chão, relutava para ser levada o mais longe possível. Forjando a viagem inocular dos neurônios, atribuindo a culpa pela partida, ao vento. E assim fez...
Relógio algum fez refém aquele instante. A tarde gelada sentiu falta do calor, e, por ora, entristeceu-se. As folhas que jamais deixaram de dançar, trataram de alegrá-la. E ela, mesmo gelada, sentindo a falta do calor do corpo que já não estava mais ali, tratou de aquecer outros corpos que enganados ou não diante da vida, estavam ali, olhando o fim da tarde. [...]

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Nuvem no solo.

Amor é uma porção de partículas densas que se diluem no ar assim que entram em atrito com outras moléculas que despejam a mesma energia que elas no mesmo momento que explodem. Tal explosão, plausível, torna o vento mais leve, as cores mais vivas... O toque lentamente suga os segundos do relógio, semelhante à um buraco negro: suga tudo que os sentidos conseguem capturar, e cria o que eles não podem. A boca saliva intensamente. Como morder um pêssego e deixar a pele aveludar-se. Congela-se então, o exato momento da explosão. O cérebro resguarda cuidadosamente tal momento e, vez ou outra, com freqüência ou, em lentos dias, trata de passar neurônio á neurônio, até que os olhos se fechem mais uma vez, e a mesma sensação que invadiu o corpo na primeira explosão, o invade novamente. Como se uma chuva de pequenas explosões circulasse membros. Pequenos e grandes, cada um com a sua devida importância, cada um lutando para criar uma nova explosão. Cada um querendo ser uma nova explosão. No outro. Em si mesmo...
Como a unha precisando ser mordida e a pele aquecida. Fogo invisível que queima os ossos. As moléculas giram no feixe de luz que envolve os olhos, que ora se fecham, ora se abrem. O suor escorre das mãos e alcança o céu. Suor desenhando nuvens, onde os pés neste instante tocam.
Amor é a explosão mais pura. Jamais extenuante. Amor é a explosão mais pura: explosão interna que se compartilha. 
[...]

Equação. Questão.

Os dias passam como o bater de assas da borboleta que fica por horas parada na parede, como se nada mais importasse. E algo importa?
A importância que atribuímos aos elementos que movimentam a nossa vida, realmente tem devida importância? Quantas horas tem o seu relógio? Quantos dias o teu fígado faz hora extra e o teu cérebro fica à girar? Qual é o teu tempo? Tu sabes o tempo das flores? Quantas primaveras tuas narinas sofreram com o pólen que voava no ar? Quantas margaridas tuas mãos deixaram de colher, de plantar?
Qual é o sentido do teu respirar, do teu andar? Por quê escolhestes a esquerda e não a direita? Fósforo no lugar do isqueiro? Quantas pessoas poderias ter ajudado, e, ao invés disso condenou? Teu corpo precisa de todo o alimento que consome? Tu entendes o teu corpo? Sabe como os órgãos interagem entre si? Sabe como teus olhos olham para ti? Tem uma visão ampla e profunda do que passa diante da tua retina? Entende o olhar da Lua sobre a Terra? E o olhar da Terra sobre a Lua? Por acaso sabe mesmo o que são: Terra e  Lua? Onde você estava ontem a noite que não viu as estrelas? E se viu, imaginou a explosão?
Quantas vezes tua pele ainda consegue se arrepiar com o toque de alguém? E com teu próprio toque? Quantos números de telefone perdeu ou anotou? Quantos dias do calendário na parede funcionam? Quantos você contou, quantos deixou de contar? Nos teus passos, há espaço para observar? Quanto vale a memória do seu computador? Quanta memória você ainda tem? Esgotou? Quantos foram os teus velórios-vivos que você presenciou? Quantos provocou? Quanta vida espalha quando corre pro trabalho? Quanto trabalho tem a tua vida? Quantas respostas levaram um F? Existiram as que mereciam um V?
Quantos corações você esmagou sem perceber? Quanto o teu coração permitiu-se esmagar? Quantas línguas aprendeu a falar? Você entende as árvores lá fora? E as dentro de ti? Quantos cadernos você rabiscou? Quantos rabiscos o vento levou? Sabes o gosto da tua cama, da tua boca? Quantos foram os dentes que você arrancou? Quanta loucuras você pregou? Quanta sanidade você não notou? E as milhões de pupilas que você dilatou? Quantas foram as pessoas que você matou? Quanto arroz você cozinhou? Quanto conhecimento você vomitou? Quanta informação você engoliu?
Do que o teu cachorro gosta? Tua tartaruga não é um cachorro? E aquele peixe querendo comida? Você não respira em baixo d’água? Nem voa nesse vasto céu? O que é esta agulha no lado da cara? Tem pão na tua mesa? Sabe o valor do trigo? E do dólar? Estava na praia há séculos atrás? Onde tu moras quando não tem carnaval? Lê o jornal enquanto descansa? Queres entrar nesta dança? Chá chá chá ou iê iê iê? Quantas vogais tem o alfabeto? E pontos além dos i’s?
Você faz o que você quer? Você sabe o que você quer? Você tem o que você quis? Você é o que pensa ser? Você está aqui ou ali? Você come doce de amendoim? Você se importa com o que você diz? Você diz com o quê você se importa? Você por acaso se importa? Você sabe o que está acontecendo lá fora? Você busca uma vida melhor? O que é uma vida melhor?
Onde estão todos os teus pontos? Você sabe em quem confiar? Você almeja o altar? Cai na entrada do bar? Levita pensando estar a caminhar? Quantas pedras tem na tua rua? Em quantos banheiros você urinou? Você sabe quantos quilômetros teu pulso girou? Quantos foram os elementos que você classificou? Quantos foram os que você desvendou?
Onde está o teu sangue agora?
Quanta importância você congelou? Derreteu? Evaporou?
 -
O azul engole os pulsos,
 faz saltar dos olhos 
o doce mel. 

Abelha na flor
pintando as cores
 do arco-íris.
  
Alimentando a vida 
dentro da embalagem. 

Depois...
Apodreceu tudo. 

Somente o mel manteve-se doce,
enquanto o azul engole os pulsos. [...]
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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

No olho, furacão.



Será Deus é aquele que desenha as estrelas e vez ou outra acrescenta-lhes uma cauda para que os nossos olhos vidrem no reluzir da noite?
Será que usa saia e cai na gandaia? Ou fica em casa?
Deus, será, nos vigia, diz-nos ‘Bom dia!’ nas manhãs de primavera?
Será que ele diz ‘já era’?
Ele nos salva, mas nos dá tapas na cara; mostra o pecado no fato do rato comer o gato?
Deus cospe chuva, atropela a fervura, cozinha legumes em algum caldeirão?
E se Deus for vegano o que Ele faz com tantos cordeiros?
E se come carne, Ele tempera a alface?
Será que Ele engorda, come torta ou faz yoga?
E se Ele for um cão, dormiria pelo chão?
Se Ele é um mendigo, usa os trapos feridos?
E se Ele tem sangue, se corta com um vidro escondido na estante?
Onde Ele iria, dançaria quadrilha?
Se estiver em uma catedral, me daria algum sinal?
E na internet, mostraria os seus troféus?
E se Ele for surdo, se importaria com os apelos?
Se ele atraído fosse por homem, compraria revistas, trocaria de nome no telefone?
Será que ele bebe água? Prefere vinho, licor ou cachaça?
Ele tem cobertor, geladeira ou aspirador?
E se Ele for um planeta, porque desenha cometas?
Onde está o Seu nariz, será que Deus se contradiz?
E se Ele for rock n’ roll, Hendrix é seu pastor?
Deus anda de carro? Usa chinelo? Veste terno? Anda nu fazendo protesto?
E se Ele estiver no celular, qual número devo discar?
Se Deus exige resgate, o que eu farei quando me encontrarem?
E se Ele é malabarista, eu seria trapezista?
Se Deus for um pulmão, dói quando eu fumo jogando as cinzas no chão?
E se Deus for sexo, se perde em cada excesso?
Será que Ele tira férias, na Jamaica ou na Indonésia?
E se Ele for um afegão, porquê não há união?
Se Ele for o sol ardente, quem será Sirius e Pollux?
E se Deus era Einstein, porquê não falou das cordas, o contraste?
E se Ele dança macarena, eu devo dançar também?
Se Deus for estrada, poderei pisar nela?
E se Ele for as nuvens, onde está quando todo céu está azul?
Será que Deus vai prá faculdade, falta aula vai para os bares?
E se Ele for a lucidez, conseguirei tê-la outra vez?
Se Deus for a loucura, porquê não mostra além da fruta?
E se Deus for um macaco, porquê meu DNA é parecido com o do rato?
Se Ele for aquele outro, quem pensei que fosse é um zigoto?
Será que Deus come pipoca, joga bola e bate a porta?
E se Ele for um sonho, tenho mesmo de fechar os olhos?
Será que Deus é uma arma, escondida, carregada?
E se Ele for a prestação, da mesa ou do fogão?
Deus seria um uniforme, um vestido ou um chicote?
E se Deus tivesse seios, amamentaria?
Se Ele cantasse feito um quero-quero, eu ouviria Ele ao meio-dia?
Se Deus fosse confusão, brigaria até quebrar a mão?
Será que Deus tem uma casa, Ele vive em baixo d’água?
E se Ele for a dimensão, o 3D é a sua própria inovação?
Deus pode ser a fome do moleque que se esconde?
Ele pode ser a riqueza, grandes marcas e sobremesa?
E se Deus fosse famoso, daria autógrafos, esconderia o rosto?
Será que Deus é analfabeto, Ele entende o que eu escrevo, fala dialéto?
E se Deus fosse miséria, tanta gente romperia as artérias?
Deus seria um canudo, para sorver outros mundos?
Se Ele fosse o tempo, quantos anos teria Janeiro?
E se Ele fosse pedra brita, quanto valeria o cimento?
Será que Deus tem olhos, usa óculos escuros?
E se Deus tivesse gosto, cheiro e cor? Qual seria em verdade seu sabor?
Se Ele é vida e morte, onde fica nossa sorte?
E se Deus fosse um cometa... quem o desenhou, tão veloz estrela?

Rodas quentes entre vulcões

De dentro do carro o movimento era mais complexo, tal qual implica a velocidade. Tudo fora dos vidros se transformava e, a cada piscar de olhos uma nova visão se desenhava na pupila, corria pelos neurônios e meu cérebro se ricocheteava entre parietal, temporal e occipital. Frontalmente ele não existia.
Assim, da mesma forma que olhos insistiam para manterem-se arregalados e, apreciar todo aquele novo movimento que se fazia além do asfalto, as pálpebras brigavam para se retorcer, para que uma pitada de pimenta caísse naquele movimento.
É incrível como a percepção de espaço se molda além das rodas. Como ver uma grande bola de fogo voadora, bem acima, entre o nada e uma partícula de hidrogênio a cada m³. Olhar para os pés e ver as árvores que nascem entre a sujeira que ela supostamente esconde. Andar e distribuir arbustos pelo asfalto e nas nuvens também. Lançar-se na direção oposta do vento, deixar os olhos fora de órbita e verificar a veracidade daquele planeta azul.

Sem norte, sudeste e tópicos

É uma mentira cruel afirmar que não somos capazes de tirar a vida de alguém, ou a nossa própria vida. Todos somos capazes de tal ato. Se andarmos na direção oposta nos trilhos do trem, uma hora ou outra bateremos nossa cara contra ele. Por outro lado, se andarmos em frente ao trem, nossos lentos passos permitirão que ele nos passe em cima, e, mesmo que corramos, ele é mais veloz. Há como sair do trilho?
Disseram-me para conseguir uma vaga e desfrutar do aconchego que o interior do trem oferece.
Disseram-me para andar ao lado do trem, sentir o vento passando entre os cabelos e apreciar a paisagem perto da velocidade.
Mas eu, eu prefiro flutuar acima do trem... Vê-lo como uma pequena e indefesa formiga. Esquecer da velocidade, parar flutuando no ar...

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Quero um milhão de flores, 
mil amores e
 um casaco prá esquentar.
Quero um uísque na mala,
 mais um cigarro de palha e
 um abrigo no mar.
Quero um governo mais justo, 
ninguém em cima do muro e 
sair prá viajar.
Quero um abraço de alívio, 
um coração despido e
 numa cama deitar.
Quero olhos de águia, 
uma caneta quebrada e 
papel prá recortar – desenhar.
Quero uma lata de tinta, 
ver a carne apodrecida, 
mas ver também a esperança delirando no ar.
Quero um cadáver e 
a verdade na cara!
O gosto do maracujá e
 aquele velho tabuleiro prá brincar.
Quero um vestido bonito, 
um genro querido e 
uma corda prá enforcar... Dançar.
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Desafina a Severina no mar


As lágrimas aparecem no rosto da mesma forma que os sorrisos.
Há como fugir de todo o amargo que as folhas secas escondem, ou, do pote de mel que escorre além da mesa?
A fantasia que se cria. Que se lapida no mármore. Linhas empobrecidas de folhas. Folhas sem nenhuma linha.
Tu consegues ler? Ver? Olhe todo este branco, apague todos os traços...
Perca-se na branquidão que guarda o espaço de tempo que os órgãos atônitos trabalham. Desenhe-se mais uma vez.
Desvie dos tímpanos o som que vem da sala.
Retire as moscas da boca do menino e ensine-o a cantar. Sol, Lá.
Onde é que você está?
Alguém abriu o livro, terá você coragem de o fechar?
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Eu sei no que você está pensando, eu sei no que vai pensar.
Não fui eu quem estive lá, no entanto, por que me condenarás?
Deixa de bobagem! Vamos fazer as pazes e jogar as pernas pro ar?
Ir até o lado oeste, tirar alguém prá dançar?
Eu sei que você come frutos, e que aquela maçã parecia um veludo!
Sei que você corta a carne e depois tempera os pulsos.
Onde foi parar aquele sangue, e o gosto do som na camiseta?
Brilham os holofotes, no sul cai a chuva forte, bem como tua insensatez.
Vamos fugir na matina e atear fogo na calçada com nossos próprios corpos.
Virar as unhas do avesso, respigar todo o sangue sem medo, e, ouvir mais uma conversa no bar.
Vamos dormir?

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sábado, 24 de julho de 2010

Do cheiro à boca

De onde vem os sentimentos?
Existe uma estrela á anos luz, que involuntariamente espirra partículas de brilho até que cheguem na camada de ozônio e sejam absorvidas pelo cérebro humano, para então, refletirem no espaço de tempo que aponta a nossa vida?
É essa a sensação que determinadas situações me fazem pensar. Situações das quais não consigo capturar, não consigo guardar numa caixinha de cristal ou papelão. Partes do viver, que, de alguma forma sussurram um leve sopro no meu tímpano, mostrando que aquilo não vem de mim.
Absurdo pensar que minhas lágrimas ou risos não vieram de mim?
Não.
Tal sensação me permitiu sentir ainda mais o que hoje, eu realmente posso dizer que sinto. Sentir-se fora de mim, permitiu voltar para dentro de mim mesma, ou, estar em mim mesma como jamais estivera.
Tantos são os segredos que existem além do arco-íris, e, até mesmo, para manter-se de olhos abertos por dias á fio. Segredos tão inúteis quanto saber se chove ou não amanhã.
A essência está em sentir-se em você mesmo. E, sentir-se, ultrapassa qualquer gosto entre areia e mar, ou algodão doce e nuvens que dançam no ar. É calor e tinta com flocos de chocolate que se misturam num gramado verde, condensados em sorrisos e sangue com o macio misturado á pequenas agulhas de vento. É a intensidade que não se pode explicar.
Intensidade improvável, que provoca a veracidade em todos os sentimentos, de um lado á outro do sol no horizonte. Os transforma, deixa os poros livres.
Liberdade não é poder viver de determinada forma, poder sentir as correntes saindo dos pés, mas sim, saber conduzir a vida de determinada forma, transformar as correntes em flores amarelas no inverno.
A essência livre é ser no ser...

E os ratos correm no forro da casa, procurando por amor. Tem seus filhotes entre caixas e sacos de arroz, como se a vida fosse o agora, como realmente é. Distinguem o veneno, e se entopem longe do sol. Se escondem nas prateleiras, sabendo a hora de gritar ou não.
Convivem com as baratas, da mesma forma que convivem com as telhas e azulejos entre paredes e chão. Não sabem a diferença de um dólar ou um real, mas sabem exatamente quando devem comer o queijo da ratoeira. Mesmo assim, às vezes, um ou outro acaba com a cabeça decapitada.
O que eles querem ouvir? Um blues barato, ou aquele que se intitula como ‘faça você mesmo’; como se as ações humanas não fossem feitas elas por elas mesmas. Querem ouvir qualquer coisa que não seja o miado de um gato, procurando pela presa, para então se divertir. Da mesma forma que aquele homem no grande centro procurava uma prostituta para prender os pulsos na cama de um motel qualquer. Ouvir o que lhe convém; na hipocrisia camuflada no barulho dos carros no transito louco, na correria do dia-a-dia.  Pressa. Todos têm pressa. Assim, acabam não ouvindo os ratos correndo nos forros, gritando loucamente apaixonados... Como eu, como você.
O livre arbítrio consiste em escolher se coloco a dose de uísque desse lado da mesa, ou daquele. Escolher o todo, no meio de tudo; mas saber o que realmente convém, é o que faz as pessoas tomarem remédios para dormir e outros para acordar.
A incerteza da certeza nas escolhas.

Cebola faz chorar, cortar?


Hoje me perguntaram se eu tinha vergonha. Vergonha, de alguma atitude que fizera ou deixara de fazer. E eu, eu respondi que sim. Eu tenho vergonha. E não vejo nada de errado em tal sentimento.
 O sentimento de embaraço que certas situações nos permitem sentir, é de certa forma, estimulante nas palpitações. A vergonha, pode ser vista nas mais singulares situações do nosso cotidiano, assim como todos os sentimentos que nos permitem perceber mais intensamente nós em nós mesmos e em relação ao todo que nos rodeia.
Às vezes ouço que, as pessoas perderam a ‘vergonha na cara’, fazem tudo o que fazem sem medir conseqüências. Chamam isso de perder a ‘vergonha na cara’? Eu chamo de viver. Qual é o problema de abandonar os rótulos e derramar o líquido no chão? Porque, no fim, ainda se é humano... São os mesmos pulmões gritando contra a nicotina, o mesmo coração suando prá manter o sangue circulando, os mesmos poros se espedaçando. No fim, ainda somos a estrutura que nos mantém em pé...
Eu sinto vergonha, ainda fico com o rosto avermelhado quando olho prá ele no meio do bar, de longe, e, suavemente vejo um singelo ‘oi’, que por mais singelo, me valeu o entusiasmo contando os dias, até que o ‘oi’, saísse de sua boca e viesse em minha direção, prá somente o ver de longe, ainda que sinta perto...
Sinta vergonha, assim como sente a vontade de levar mais um copo de conhaque á boca prá tentar esquecer... Mas não esqueça.

Glândulas na mão

Quando os degraus do ônibus terminavam e os olhos procuravam um lugar vago para se sentar, as pernas já sabiam que não descansariam. No entanto, a viagem era curta, não haveria problema em ficar em pé, pelo contrário: ficar em pé foi o passo dado para perceber as notáveis conseqüências que o aglomero de pessoas causava, entre o som que os pneus soluçavam ao entrar em contato com as pequenas pedras soltas no asfalto.
Palavras misturadas ao suor que escorria na testa reluzente, saiam da boca que mastigava um típico salgadinho que se compra para viagens, e que havia contaminado todo o ônibus com um cheiro de queijo, que aos poucos, trazia o vômito no ar. Contudo, o vento que entrava pelo pequeno espaço da janela aberta, com metade da cabeça de uma criança para fora, que com olhos ora fechados, ora abertos, transpareciam o gosto de sentir o vento batendo na cara; assim, o vento que entrava pelas mais ‘invisíveis’ frestas levava para a estrada o cheiro que trazia a tona o vômito, e o deixava se perder entre as árvores e plantações que enfeitavam um lado e outro da rota que o ônibus fazia.
O vento e suas saudáveis provocações. Vomite! Os olhos do senhor na beira dos 60 diziam para a morena de 27 que, contando um compasso de dois tempos, colocava a mão entre nariz e boca. Eu observava e era observada.
Dois passos á direita alguém com óculos escuros, roia as unhas e olhava na minha direção. Parecia que sabia o que procurava e eu temia que estivesse , de fato, procurando. Desviei a sinestesia e me concentrei em sair depressa do ônibus e correr para o mais longe que pudera. Esperei. Lentamente movi os passos, ele não imaginava que eu sairia antes de onde seus pensamentos já haviam traçado. Saí, corri e me perdi no meio da multidão. O cara das unhas roídas? Deve estar morto, é o preço que se paga por missões inacabadas. Eu? Eu me aposentei, agora como as maçãs do pecado...