segunda-feira, 16 de agosto de 2010

No olho, furacão.



Será Deus é aquele que desenha as estrelas e vez ou outra acrescenta-lhes uma cauda para que os nossos olhos vidrem no reluzir da noite?
Será que usa saia e cai na gandaia? Ou fica em casa?
Deus, será, nos vigia, diz-nos ‘Bom dia!’ nas manhãs de primavera?
Será que ele diz ‘já era’?
Ele nos salva, mas nos dá tapas na cara; mostra o pecado no fato do rato comer o gato?
Deus cospe chuva, atropela a fervura, cozinha legumes em algum caldeirão?
E se Deus for vegano o que Ele faz com tantos cordeiros?
E se come carne, Ele tempera a alface?
Será que Ele engorda, come torta ou faz yoga?
E se Ele for um cão, dormiria pelo chão?
Se Ele é um mendigo, usa os trapos feridos?
E se Ele tem sangue, se corta com um vidro escondido na estante?
Onde Ele iria, dançaria quadrilha?
Se estiver em uma catedral, me daria algum sinal?
E na internet, mostraria os seus troféus?
E se Ele for surdo, se importaria com os apelos?
Se ele atraído fosse por homem, compraria revistas, trocaria de nome no telefone?
Será que ele bebe água? Prefere vinho, licor ou cachaça?
Ele tem cobertor, geladeira ou aspirador?
E se Ele for um planeta, porque desenha cometas?
Onde está o Seu nariz, será que Deus se contradiz?
E se Ele for rock n’ roll, Hendrix é seu pastor?
Deus anda de carro? Usa chinelo? Veste terno? Anda nu fazendo protesto?
E se Ele estiver no celular, qual número devo discar?
Se Deus exige resgate, o que eu farei quando me encontrarem?
E se Ele é malabarista, eu seria trapezista?
Se Deus for um pulmão, dói quando eu fumo jogando as cinzas no chão?
E se Deus for sexo, se perde em cada excesso?
Será que Ele tira férias, na Jamaica ou na Indonésia?
E se Ele for um afegão, porquê não há união?
Se Ele for o sol ardente, quem será Sirius e Pollux?
E se Deus era Einstein, porquê não falou das cordas, o contraste?
E se Ele dança macarena, eu devo dançar também?
Se Deus for estrada, poderei pisar nela?
E se Ele for as nuvens, onde está quando todo céu está azul?
Será que Deus vai prá faculdade, falta aula vai para os bares?
E se Ele for a lucidez, conseguirei tê-la outra vez?
Se Deus for a loucura, porquê não mostra além da fruta?
E se Deus for um macaco, porquê meu DNA é parecido com o do rato?
Se Ele for aquele outro, quem pensei que fosse é um zigoto?
Será que Deus come pipoca, joga bola e bate a porta?
E se Ele for um sonho, tenho mesmo de fechar os olhos?
Será que Deus é uma arma, escondida, carregada?
E se Ele for a prestação, da mesa ou do fogão?
Deus seria um uniforme, um vestido ou um chicote?
E se Deus tivesse seios, amamentaria?
Se Ele cantasse feito um quero-quero, eu ouviria Ele ao meio-dia?
Se Deus fosse confusão, brigaria até quebrar a mão?
Será que Deus tem uma casa, Ele vive em baixo d’água?
E se Ele for a dimensão, o 3D é a sua própria inovação?
Deus pode ser a fome do moleque que se esconde?
Ele pode ser a riqueza, grandes marcas e sobremesa?
E se Deus fosse famoso, daria autógrafos, esconderia o rosto?
Será que Deus é analfabeto, Ele entende o que eu escrevo, fala dialéto?
E se Deus fosse miséria, tanta gente romperia as artérias?
Deus seria um canudo, para sorver outros mundos?
Se Ele fosse o tempo, quantos anos teria Janeiro?
E se Ele fosse pedra brita, quanto valeria o cimento?
Será que Deus tem olhos, usa óculos escuros?
E se Deus tivesse gosto, cheiro e cor? Qual seria em verdade seu sabor?
Se Ele é vida e morte, onde fica nossa sorte?
E se Deus fosse um cometa... quem o desenhou, tão veloz estrela?

Rodas quentes entre vulcões

De dentro do carro o movimento era mais complexo, tal qual implica a velocidade. Tudo fora dos vidros se transformava e, a cada piscar de olhos uma nova visão se desenhava na pupila, corria pelos neurônios e meu cérebro se ricocheteava entre parietal, temporal e occipital. Frontalmente ele não existia.
Assim, da mesma forma que olhos insistiam para manterem-se arregalados e, apreciar todo aquele novo movimento que se fazia além do asfalto, as pálpebras brigavam para se retorcer, para que uma pitada de pimenta caísse naquele movimento.
É incrível como a percepção de espaço se molda além das rodas. Como ver uma grande bola de fogo voadora, bem acima, entre o nada e uma partícula de hidrogênio a cada m³. Olhar para os pés e ver as árvores que nascem entre a sujeira que ela supostamente esconde. Andar e distribuir arbustos pelo asfalto e nas nuvens também. Lançar-se na direção oposta do vento, deixar os olhos fora de órbita e verificar a veracidade daquele planeta azul.

Sem norte, sudeste e tópicos

É uma mentira cruel afirmar que não somos capazes de tirar a vida de alguém, ou a nossa própria vida. Todos somos capazes de tal ato. Se andarmos na direção oposta nos trilhos do trem, uma hora ou outra bateremos nossa cara contra ele. Por outro lado, se andarmos em frente ao trem, nossos lentos passos permitirão que ele nos passe em cima, e, mesmo que corramos, ele é mais veloz. Há como sair do trilho?
Disseram-me para conseguir uma vaga e desfrutar do aconchego que o interior do trem oferece.
Disseram-me para andar ao lado do trem, sentir o vento passando entre os cabelos e apreciar a paisagem perto da velocidade.
Mas eu, eu prefiro flutuar acima do trem... Vê-lo como uma pequena e indefesa formiga. Esquecer da velocidade, parar flutuando no ar...

///

-
Quero um milhão de flores, 
mil amores e
 um casaco prá esquentar.
Quero um uísque na mala,
 mais um cigarro de palha e
 um abrigo no mar.
Quero um governo mais justo, 
ninguém em cima do muro e 
sair prá viajar.
Quero um abraço de alívio, 
um coração despido e
 numa cama deitar.
Quero olhos de águia, 
uma caneta quebrada e 
papel prá recortar – desenhar.
Quero uma lata de tinta, 
ver a carne apodrecida, 
mas ver também a esperança delirando no ar.
Quero um cadáver e 
a verdade na cara!
O gosto do maracujá e
 aquele velho tabuleiro prá brincar.
Quero um vestido bonito, 
um genro querido e 
uma corda prá enforcar... Dançar.
-

Desafina a Severina no mar


As lágrimas aparecem no rosto da mesma forma que os sorrisos.
Há como fugir de todo o amargo que as folhas secas escondem, ou, do pote de mel que escorre além da mesa?
A fantasia que se cria. Que se lapida no mármore. Linhas empobrecidas de folhas. Folhas sem nenhuma linha.
Tu consegues ler? Ver? Olhe todo este branco, apague todos os traços...
Perca-se na branquidão que guarda o espaço de tempo que os órgãos atônitos trabalham. Desenhe-se mais uma vez.
Desvie dos tímpanos o som que vem da sala.
Retire as moscas da boca do menino e ensine-o a cantar. Sol, Lá.
Onde é que você está?
Alguém abriu o livro, terá você coragem de o fechar?
-
Eu sei no que você está pensando, eu sei no que vai pensar.
Não fui eu quem estive lá, no entanto, por que me condenarás?
Deixa de bobagem! Vamos fazer as pazes e jogar as pernas pro ar?
Ir até o lado oeste, tirar alguém prá dançar?
Eu sei que você come frutos, e que aquela maçã parecia um veludo!
Sei que você corta a carne e depois tempera os pulsos.
Onde foi parar aquele sangue, e o gosto do som na camiseta?
Brilham os holofotes, no sul cai a chuva forte, bem como tua insensatez.
Vamos fugir na matina e atear fogo na calçada com nossos próprios corpos.
Virar as unhas do avesso, respigar todo o sangue sem medo, e, ouvir mais uma conversa no bar.
Vamos dormir?

-