quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Entre! Há livros

Escondeu-se nas cortinas quando eu abri a porta, mas esqueceu-se de esconder os pés inconfundíveis entre os tecidos. Ali ficou.
Eu nada disse, caminhei com meus passos pelo chão que há tanto tempo estava ali, sustentando aqueles tantos livros que li. 
Caminhei e observei, cuidadosamente, mais uma vez, se
estavam todos na ordem em que eu costumara deixar: comecei organizando-os pelas cores. Na estante do lado esquerdo, todos os tons de verde bem ao alto, eram as folhas das árvores, o oxigênio que me mantinha em pé, com os pulmões cheios, depois meio vazios e depois, cheios outra vez. Estes livros verdes por vezes tornavam-se meu receio. Acontece que eu fumava demais e, meus pulmões pareciam estar ficando fracos, por isso, resolvi que os livros de capas marrons, cinzas e pretos deveriam ficar perto do chão qual eu pisava, assim representariam a terra, onde eu possivelmente acabaria enterrado em pouco tempo. Não pararia de fumar e também não deixaria de ler. 
Continuei com meus passos. Alguns faziam-se mais fortes quando eu corria os olhos por um título inquietante, ou por um romance chato, que fui obrigado a ler. Gostava de obrigar a mim mesmo a fazer certas leituras que em princípio julgava inútil, mas depois descobria que ao menos faziam as horas solitárias mais animadas, por vezes, aconchegantes. Na verdade ler era a coisa mais fácil que eu poderia fazer na situação em que me encontrava e no lugar onde eu estava. Não havia nada para mim fora daqueles paredes. O mundo é uma constante desilusão de páginas que ficam amareladas com o tempo. Assim os autores por vezes também me deixavam frustrado. Tolice pensar que eram homens como eu. Não, não eram. Traziam consigo uma carta oculta na manga e, em qualquer instante conseguiriam acertar os números da loteria, porque por vezes eles próprios sustentavam a loteria. Eu mal sustentava à mim mesmo. Sustentava também aqueles pequenos pés que insistiam em permanecer quase ocultos, entre as cortinas. Na verdade, ela também me sustentava. Irrelutávelmente dependíamos um do outro, feito animal que somos. 
 Distraio-me entre as obras e quase esqueço daqueles pés. Esqueci-me há quanto tempo eu estava ali em pé, parado, tentando olhar pela janela mas com Tolstoi ofuscando no lado direito do meu ombro. Sabia que se o tocasse sentaria e releria as páginas marcadas a lápis, porque essas páginas sempre traziam algo novo e também, nem sempre eram sempre as mesmas páginas que estavam marcadas. Era o trabalho dela. Tentava compreender de uma maneira controversa à obtusidade tudo aquilo que as palavras não revelavam. Encontrava o tesouro sempre, muito antes do que eu. Por isso, apesar da minha invisibilidade e inutilidade neste mundo, sentia-me o mais importante de todos os homens por poder desfrutar sozinho daquele tesouro. Embora pensasse que isso era um pua que ajudaria a derrubar o muro, entristecia-me o fato dela sozinha, não querer conversar com o mundo, e dizer tudo aquilo que, sagrado e escuro, escondia-se entre as linhas das páginas amareladas que translúcidas revelam este mundo.
O som dos meus passos calaram-se, estático permaneci nestes pensamentos. Aqueles pés inconfundíveis não se enroscariam na cortina, ela havia partido, outra vez, quase sem eu perceber. 
Incrível como eu distraía-me facilmente entre aqueles livros, aqueles pés, e o meu pensar. Sabia que apesar de todas aquelas leituras, eu não era capaz de escrever sequer uma oração coordenativa assindética, ela porém, sabia.

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