sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Mas eu só queria comprar um hambúrguer

Permanecemos intactos em vidro. Ilusão que não se desfaz em caco e do corpo acaba restando apenas um fiapo. Nós nos desculpamos pela indecente aparência de estar entre os pés que não se movem e os olhos que tudo veem e querem engolir. Não, não insistimos mas dizemos que sempre queremos sair daqui. E dizemos porque dizer parece fácil. Hoje é fácil dizer. Não há nada atrás do armário querendo levar os nossos sonhos em pesadelo. Hoje se pode dizer filho da puta no meio da rua e as pessoas ainda riem; o taxista que me vê ri e mastiga sem pensar um palito entre os dentes. Em mim vômito e o suor daquele homem escorrendo pela testa reluzente. E mesmo podendo tudo dizer, prevalece um silêncio aturdido entre o caos e meia duzia de passos perdidos que não sentem mais o cortar dos cacos de vidro. Permanecemos estilhaçados e seguimos, como se houvesse sempre mais um espaço vazio para preencher e assim comprar mais um sapato, de salto. Viver é depois porque permanecemos esmagados em ilusão líquida que se faz vidro e não se vê. Ainda bem que podemos falar filho da puta no meio da rua, pena que não reconhecemos mais o vermelho do Velázquez, o amarelo manga, a poesia da Vida no lugar do programa na TV. 

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