segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Tudo escrevo

A mesa sob meus papéis, amassados; organizados em tópicos para melhor compreender. Ainda que não se saiba. E tudo o que sinto repousa em um viés. Palavras repetidas. Iguais. Entrelinhas que se desfazem em um retrós desse tempo. Sublinho o movimento. Mordo os lábios. Choro nessa sexta-feira. Tudo sinto e escrevo. A mesa onde almocei e também jantei. A partilha do alimento e a fome. Sempre há fome. E meu corpo magro chora. Choro. Sempre chorei. Como quando era pequena. Ainda sinto tudo e tudo escrevo. Embora poucas vezes tenha me sentado com a tinta azul entre os dedos, para manchar as folhas brancas de sangue. Meu sangue vermelho intenso, e já não uso mais batom. Mancho os dedos com tinta guache. Não sei pintar. Mas escrevo. Tudo escrevo. A cadeira envernizada que se encosta à mesa onde jantei em um sábado à noite e eu mesma cozinhei. Todos comeram. Muitos pontos. Hoje escrevo com muitos pontos. Por que choro-escrevo com muitos pontos. Tal como a chuva. Como parecesse estar nervosa. E estou [?]. Por que tudo escrevo. Mas nenhuma palavra do que escrevo vale alguma coisa. Essas palavras não trazem comida para a mesa que deixa esse caderno firme para que eu escreva. Por isso não jantei hoje. Também porque apagaram as luzes e fecharam a porta. Foram dormir cedo. Como quase sempre. Eu pouco durmo. Sonho o tempo inteiro. E depois respiro. Suspiro e choro. Também sonho. Como já disse. Agora mesmo estou sonhando. Estou feliz e sorrio. Tenho a pele macia e as unhas feitas. O cabelo penteado. Mulher feita. Como se diz. Caminho levemente decida. Que é prá não cair. Sorrio. Sorrio para mim mesma. Mas por vezes, se me olho no espelho, choro. Choro. Não porque não me reconheço. Pelo contrário.  Por ter consciência desse sentir que não se desfaz. E sou. Tudo escrevo. Mas essas páginas continuam em branco. E então choro. Tudo escrevo. E esse branco que silencia. Tudo escrevo. O voo do pássaro em silêncio enquanto amanhece e eu permaneço. Os sapatos desapertados. Anoiteço. E ainda no escuro, tudo escrevo. 

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