sábado, 12 de março de 2011

Leveza do querer.


Desabotoava a camisa arrancando com os dentes os botões, cuspindo-os em qualquer lugar... Pelo chão, rolavam entre tapetes e assoalho, de tal forma, que era difícil de imaginar o quão longa seria a procura para uni-los todos novamente.
Certamente, se misturariam com a sujeira escondida entre os móveis, longe dos olhos.
As mãos tocavam suavemente a pele já fria.
O desejo de arrancar não só a camisa, mas também, pele e ossos fazia-se presente. O pretérito era perfeito e o presente inteiro.
Na boca, aos poucos o gosto forte de canela foi sendo substituído pelo gosto do desejo do intocável... Era como sugar dos próprios dedos o segredo do inferno escondido, e transformá-lo em céu...
Tão céu quanto a cor do seu peito debaixo da camisa, que era feita de tecido pesado, apropriada para esconder as marcas do coração. Entretanto, tecido algum esconde as marcas que os olhos transparecem... E... por três minutos o escondido apareceu. Apareceu em si bemol sustentado pelo medo e descaso. Querendo ser mesmo descaso, mas se perdendo no concreto sem descanso. Firme, fixo, forte. Com dureza e pobreza... Fome de querer sem querer. Mas queria.
Não poderia negar o tecido da camisa rasgada morrendo aos poucos no chão. Perdendo o calor da pele que se roia no meio das unhas... Frias... As marcas eram visíveis. Saiam do coração e percorriam o corpo todo.
Queria. Fazia. Mesmo que fosse com as próprias mãos. Mesmo que precisasse arrancar os próprios dentes. E assim faria na corrida da noite.
Passos parados. Atos fechados. Porta quebrada... Podia-se ver tudo do corredor! Mas isso não importava. Não haveria outro alguém para ver, além das molduras nas paredes. Quietas. Observando cuidadosamente em quase silêncio, cochichando... Pura inveja de estar preso naquele quadrado sustentado pela parede. O que fariam a não ser observar e falar? Poderiam viver? Reviver, diria. Foram congelados no passado, que se fossem aquecidas para o gelo derreter, só lhes restaria lembranças para reviver. Nada saberiam do agora... Por isso não se importava com os cochichos dos quadros. Deixem que falem!
E ouviam gritos.
Até o céu se assustava... Trovões saindo pela janela iluminavam os quartos alheios, encontrando corpos.
Passos parados. Mente compartilhada. Gritos na madrugada. Todas as veias dilaceradas... O sangue inundava o chão indo de encontro aos botões... A camisa foi costurada, a alma lavada – levada... Sustentada.   

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