terça-feira, 15 de junho de 2010

Alívio

A dor invade o peito, como a tinta invadindo o papel, brigando com a ausência de cor. Escorre no papel, como lágrimas escorrem no rosto...
Como saber o que será da vida? O que será da morte? Até quando sustentamos a sorte?
Quem sabe a culpa seja dos dedos, esses anseios que impedem de andar, começar no recomeço.
Por que paramos? Chegamos até o ponto em que não se pode mais ver além da janela, e, mesmo com as roupas jogadas, amassadas no chão, tornamos a vesti-las. Saímos mais uma vez, dizendo ser a última. Só mais uma vez. Era o que dizíamos um para o outro. É o que tu dizes para quem está ao teu redor, e para você mesmo, quando coloca a cabeça no travesseiro antes de fechar os olhos.
Viva! Nossas roupas gritavam no chão. Quentes, com nosso calor ainda armazenado entre as dobras que se fizeram quando ela ainda estava no ar, antes de cair no chão. Calor que nos provoca, ou até mesmo, o calor do sol ao andar pelas ruas. Aquele sol que faz escorrer suor da testa, e que em algum momento alguém a lambe ou um lenço a seca; lenço? As mãos mesmo fazem isso. Mesmo sujas, deixando um pequeno rastro de poeira entre as sobrancelhas. Então se anda. E se pede esmola prá comprar uma garrafa d’ água, que vira cachaça no boteco da esquina. É assim. Deixamos ser assim. E quem não quer? Quem não quer ter motivos prá despir-se, atirar as roupas no chão de qualquer lugar. Querer mais?
Esse é o ponto. Sempre querendo mais. Bis! Bis! Bis! As moçinhas gritavam loucamente ao ver o astro movendo as pernas num frenesi imenso, cantando: “That's all right Mama.” O rock n’ roll nunca mais foi o mesmo depois daquelas pernas. E os homens não foram mais os mesmos depois de ver as pernas daquela donzela, propositalmente mostrando a cinta liga; mal sabia que perderia a garganta com aquele simples gesto.
Quem quer ser encontrado com os olhos abertos e um corte no pescoço? É, se todos soubessem aonde as próprias atitudes os levariam, não ousariam por o nariz para fora de casa. Ficariam todos trancados, angustiados com as balas que atravessariam a janela e atingiriam a TV, acabando assim com a vontade de levantar da cama. Triste, mas por ora é isso.
“Eu quero mais!” diz o menino da propaganda de suco. Colocamos tudo em pacotinhos para vender. Pacotinhos de todos os tamanhos, para satisfazer todos os gostos. Até mesmo, para jogar as roupas no chão com mais vontade.
Onde está o ‘z’ nesse tal de querer mais? Sabemos a hora de parar? Onde queremos chegar? Plutão existe ainda, mesmo que o tenhamos ‘excluído’ do nosso sistema solar, da mesma forma que Lutero permaneceu na Igreja, mesmo sendo excomungado dela. Sempre há horizonte. Se caminha até ele, vemos ele, sabemos que ele está ali, mas não o atingimos. Há sempre mais pela frente, mais para nos mover. O mesmo mais que nos move, é que nos fará ficar no mesmo lugar, com os olhos abertos com um corte no pescoço.
Sinal vermelho, mas, se quer mais. Contudo tem de se esperar. Deixar o outro ir adiante também. Mesmo assim, insistimos em ultrapassar o dito sinal. As adolescentes engravidam. Os delírios que o toque das mãos entre clitóris, pernas, virilha, é rapidamente esquecido nas noites em claro e nos dias que se seguem limpando o banheiro de outro alguém.
‘Eu quero mais comida, mas não tenho.’ Diz o garotinho do Haiti para as câmeras do canal americano. Quem assiste, por segundos acha aquilo um absurdo; no entanto, logo sai e vai comer um hambúrguer com fritas para aumentar a celulite, que mais tarde será 'extraída' com um tratamento estético; e entupir as artérias.
‘Mais um orgasmo!’ Pensa a mulher de 39 anos ao deitar na cama ao lado do homem com quem dorme desde os seus 19 anos, mas tem medo de falar.
‘Mais dinheiro no meu cheque!’ Reclama o funcionário da fábrica de botões eletrônicos, querendo comprar um som mais potente para o seu carro, financiado em cinco anos por aquele banco com juros incontáveis, mas que você nem percebe.
‘Cabe mais dinheiro debaixo do meu paletó!’ Sorri o político que aparece nos jornais; mais votos dados sem pensar, trocados por mais comida na mesa daquele mês, não se importando com os mêses que virão. [...] 
Mais, mais, mais.
Mais seguidores nas Igrejas, menos santos no altar.
Mais uma língua para o currículo, menos conversa no sofá.
Mais um drink prá esquecer, menos amor nas pernas pro ar.
Mais amigos virtuais, menos pôr do sol prá apreciar.
Mais prá receber, menos prá dar.
Queremos sempre mais. Esse é o motivo de parar, pegar as roupas do chão e sair. Ver o horizonte, deixar o suor cair. Roer as unhas, engolir o relógio para não perder a hora. Hora de ir de encontro ao mais, que em determinado momento, quando as luzes acendem e apagam, os pés se entrelaçam dançando, com o sangue vagarosamente correndo nas veias, se tornar nada... No tudo, que é nada: a mais perfeita contradição.

Um comentário:

Fração de segundos...