O ser imóvel de flutuar
Acariciava minhas próprias mãos
enquanto observava meus passos vagos, inertes, no mesmo lugar, naquela mesma
rua em que outrora sonhava, que outrora cantava, que outrora desenhou o meu
caminhar, que outrora... Outra hora... Outra hora na qual fui, pois já não sou.
Apenas estou.
Estou em pé feito a árvore sem
galhos que tem olhos tão tristes quanto os meus. Ela se parece comigo: eu sem
qualquer vestígio de cabelos à cabeça, e ela sem galhos, como poderia então ter
folhas para enfeitá-los? . Por isso estou, mesmo não querendo mais estar.
Continuo o caminho que, desde os
vinte e tantos anos percorro. As janelas ao meu redor mudaram de cor. [junto
com as flores que florescem enlevantes no inverno, quando ninguém espera.]
Pintam-nas enquanto nada posso fazer contra minhas rugas, também não quero
fazer nada contra. Tudo a favor, sempre a favor de estar: bem. Mesmo que para
isso tenhamos de deixar de ser. O importante é estar. Aquela boa aparência que anda
com os séculos.
Diziam-me: barba bem feita,
gravata cinzas, meias cinzas. Vida acinzentada: pelo clima que molhava-me o
terno e pelo cigarro que corroía delicadamente os meus pulmões.
Assim passei os anos a enfrentar
meu paradoxo: estar sem ser.
Eu, que na minha agridoce
juventude gritava com uma força sem igual: EU SOU, EU SOU, EU SOU! Agora habito
em memórias. Melhor assim, não quero memórias póstumas. Afinal não sou nenhum
Brás Cubas! Mas, que diabos então sou eu, se já não sou mais o que era e
tampouco consigo ser se quer alguma coisa, porque só ando nos caminhos do estar?!
Meus passos param e meus olhos
não os veem parar.
Concentro-me então nas lágrimas
sem sal que insistem em não escorrer dos meus olhos, porque escorrem em rios
dentro do ser que sou, enquanto apenas estou.
Insisto em continuar meus passos
feito um bêbado procurando o caminho de volta para casa. Aquela casa igual a um
útero materno que nos abriga, nos aceita, nos esconde e nos protege dessa
sociedade que mata-nos os ser todos os dias, e nós, quase que inevitavelmente, aceitamos.
Meus passos tremem. Os botões de
minha camisa apertam-se estilhaçando todo o meu peito que ardentemente clama,
chora e grita com toda a força, mas que silêncio algum haveria de ouvir.
Continuo a andar, a andar, a
andar, até que encontro a solução.
E depois de tanto tempo, pareço
sentir de facto uma pequena lágrima a debruçar-se em meu olho esquerdo. E então
pergunto-me: “tem mesmo que ser?” E a
resposta consegue impregnar o ser no estar: atiro-me entre os carros. Agora
consigo ser, pois já estava, morto.
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