segunda-feira, 19 de abril de 2010

[continuação: 'Toda vida que há em mim na vida.']
Levantei-me do banco e tomei o rumo do meu apartamento. Chegando, não usei o elevador, subi vagarosamente cada degrau que compõe a escada. Parecia que conseguia ver cada partícula de poeira ali no chão. Parecia que conseguia ver cada pessoa que passara por aqueles degraus antes de mim, e, tinha certeza de que nenhuma se lembraria de mim, eu usava o elevador. Fiquei parada olhando para minha porta fechada, nostalgicamente apreciando tudo que ele guardava nas suas costas. Até que meu vizinho que beirava os quarenta, enquanto segurava uma maleta e afrouxava a gravata, veio em minha direção perguntando se eu por acaso, havia perdido minha chave. Não, não. Estou com ela em minhas mãos. Eu disse e ele insistiu: ‘O que faz aí parada então?’ Estava olhando para porta, respondi. Ele fez uma expressão de não ter entendido o que eu acabara de dizer, e me disse: ‘Se você precisar de alguma coisa, tem uma campainha ao lado da minha porta. Minha esposa pode te ajudar no que for, ela é uma ótima fisioterapeuta, vê bastante gente o dia todo, pode conversar com ela, que tenho certeza que te entenderá!’ Estou bem. Eu disse. Mas obrigada mesmo assim, qualquer coisa, chamá-los-ei. Ele poderia ter dito que sua esposa era simplesmente humana, mas, prevalece o que se faz. Abri a porta, e dessa vez somente a fechei, sem passar a chave. “Que os ladrões roubem os meus bens e o meu coração!” Coloquei meus exames numa gaveta qualquer e fui tomar um banho. Tirar o peso do dia da minha pele e regenerá-la para que pudesse agüentar o peso do dia seguinte [como se dias fossem pesados, não leves]. Ali estava eu. Nua. Olhando para mim mesma. Tocando em cada pedacinho do meu corpo, contemplando cada célula do meu corpo. Saí do banho, quando meus dedos estavam todos enrugados por conta da água quente. Sem a menor pressa me vesti. Preparei um macarrão bem simples, mas com muito molho, eu gostava muito de cozinhar, apesar de fazer coisas simples. Quando me senti satisfeita, com o estômago cheio de macarrão, fiz um café. Arrastei meu pequeno sofá até a sacada, estirei-me nele e fiquei horas contemplando as estrelas que piscavam para mim no céu. Adormeci.
Este foi o primeiro dia dos mais curtos da minha vida. Todos os dias que sucederam á este estão cravados em alguma parte de mim. Lembro de cada segundo, cada cheiro e gosto que senti naqueles dias. Lembro dos segundos, das folhas caindo lentamente, das pessoas se movimentando ao meu redor, como se estivessem todas dançando livremente. Todo o colorido real que eu passei a ver. Lembro de tudo. Mas uma informação foi-me apagada... Lembro de cada fragmento do tempo da minha vida naqueles dias, menos as datas. Estava numa feira típica da cidade. Muitas pessoas sorrindo, crianças correndo. Comprei um algodão doce e saí sorrindo para a multidão que lá se divertira. Caminhei com meu algodão doce até perto da ponte do lago que levava a um gramado lindo, no qual eu planejava me deitar e ver o céu. Alguns metros antes da ponte, senti um movimento intenso em cada parte do meu corpo. Senti cada órgão funcionando, e, depois de sentir tudo que me mantinha viva, senti cada parte de mim morrer. Caída ao chão, lembro da extrema lentidão com que tudo ao meu redor se moveu. Devagar, devagar, devagar... Meu cérebro foi o último a se ‘entregar’. Dói não conseguir mover os pés, mãos, olhos. Dói não respirar, não sentir vida. Naquele instante doeu. Mas a doçura do algodão doce, que havia ficado na minha boca, trazia um sentido para tudo aquilo. Eu morri em um dia qualquer, com pessoas sorrindo, chorando, nascendo e morrendo em cada canto do mundo, exatamente naquele instante. Talvez seja por isso, na transmissão involuntária que acontece sem que percebamos de todas as energias do mundo, que criaram esse lugar onde eu estou. Talvez eu não me recorde do dia da minha morte, porque assim, poderia voltar lá. Não que eu sinta falta daquilo tudo. Não que eu não sinta... Aprendi a viver perto de morrer. Mesmo assim, estou aqui. Movimentando tudo em volta de mim... Mas sinto falta do algodão doce.



[...]

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