sábado, 24 de abril de 2010

Sem cortinas

A maneira com que se convive com a dor, é a mesma maneira com que se convive com os sorrisos. Tanto as dores, quanto os risos, fazem parte de cada passo que se dá. De cada abrir de olhos numa manhã gelada de inverno, ou no fim de tarde do verão. Eu estou procurando entender a música que toca além da minha janela, ela não me deixa pensar. Ela não me deixa nada fazer. Então, eu tapo os ouvidos. Automaticamente não ouço mais nada, nem o meu roer de unhas que acontece mentalmente, na expectativa de que a música tenha passado. Medo... Medo de destapar os ouvidos e ela ainda esteja ali, soando frio pelo ar; com todos aqueles acordes e arpejos, por hora até dançantes; mas que traziam dor.
Vogais e consoantes misturadas traziam a minha dor. Traziam a minha alegria. Faziam o meu movimento, leve, pesado. Numa ida e volta para todos os lados... Nesse momento, lados não existem mais. O espaço se dissolve ao nada, apenas se flutua... No nada. No nada que se torna, que se é, que se foi e que se vai ser. Na forma específica do nada. Precisamos morrer. Precisamos viver. Acaba-se morrendo, antes mesmo de morrer. Matar-se em vida para assim, poder viver. Viver na forma específica do nada. Não ouvir outra música se não a própria música do seu Ser. Não ouvir, não ver, não tocar, não sentir o cheiro dos pêssegos... Nem o toque da pele... Ao longo de anos, se sente tudo, para então, compreender tudo o que se sentiu. Saber o que pode vir a sentir, não se surpreender nenhum pouco com o que se pode vir a sentir. Por fim, não sentir mais nada. Mesmo andando contra o vento, ou nu no gelo.
A atração pela vida acaba nesse momento. Prefere-se o nada. O nada encanta mais, do que todos esses falsos sentimentos vividos ao meu redor. A música continua a soar além da minha janela, que insiste em continuar aberta, alimentando toda a fúria do vidro misturado a tinta. Trincado, pacientemente esperando a hora certa de quebrar. No som agudo se desfazer. Então, eu cortarei minha mão recolhendo os minúsculos pedacinhos de vidro que ficarão sobre a minha cama. Sangue, pó, vento e música, numa tarde qualquer de terça ou sexta-feira. Andar até a padaria, comprar pão; comê-lo com meu sangue. A música ainda soa...
[...]

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