segunda-feira, 5 de abril de 2010

Olhos frios.

Correndo para todos os lados o coração pára.
É inevitável. Ele pára, e sem perceber se está no chão. Com toda a sua vida bem á sua frente: passado, presente e futuro na mesma caixa. Uma mescla de tudo que se viveu ou se ia viver.
Suor e lágrimas se misturam junto ao sangue que foi parando nas veias pouco a pouco.
A imagem do chão é colada na retina dos olhos, como última imagem vista. Para você se lembrar exatamente onde seus pés te levaram.
Os ouvidos já não ouvem mais a música que te fazia sorrir; nem a que te fazia chorar. Já não ouve mais o som da mãe gritando para acordar, ou da vizinha dizendo bom dia enquanto limpava o chão. O doce som da amada sussurrando seu amor. Nem o grito no meio do jogo de cartas, quando misturava uísque sem graça com sorrisos amarelos. Se quer ouviu o próprio tombo. Talvez tenha morrido antes mesmo de cair ao chão. Afinal, um tiro na nuca é sempre uma boa desculpa!
Uma boa desculpa para se morrer no meio da rua, em uma madrugada com vento de outono. Caiu tão lentamente quanto as folhas das árvores ao seu redor. Podia vê-lo caindo em ‘câmera lenta’; igual aos filmes que vira anos atrás, quando ainda me aliava a cabeça sentar em frente a uma TV, e me infiltrar naqueles filmes com tiros e pianos e belas donzelas a me seduzir. Mas isso já não importa mais. Também não sei como fui recordar disso agora. Nesse momento, olhando este homem morto bem em minha frente. Talvez tenha lembrado porque, de certa forma, todos aqueles filmes com tiros e fogo, me inspiraram a levar a vida que levo. Mas o que me inspira também não importa. Nada mais importa agora. Ele está morto. Consegui sugar seu último segundo de vida. Como se pudesse respirar a pureza de viver que saía entre sua boca encostada meio ao asfalto.
Olhei para aquele homem pela última vez e tive certeza de que o que eu acabara de fazer estava certo. Acendi meu cigarro e me ascendi no meu trono. Fui até meu carro, retirei minhas luvas e coloquei o Requiem em mi menor de Mozart. Ah como Mozart foi um ótimo compositor. Me liberta!
Em alguns segundos esqueci do grande propósito, pelo qual matei aquele homem. Como tantos outros. Consegui flutuar com a lua em meio a garrafa de vinho e a areia que o mar beijava aquela noite. Como é magnífico estar vivo! Eu sorria como uma criança! Mas sabia que ainda tinha muito pela frente. Comprei mais uma garrafa de vinho e contemplei a noite até a chegada do sol. Assim que o sol tocou o mar, me despi e mergulhei... Estava limpo! Purificando a minha alma! Me vesti e fui viver minha normalidade nos dias que se seguem. Como se nada tivesse acontecido, como se nada fosse acontecer. Eis o segredo! [...]

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