quinta-feira, 6 de maio de 2010

Nos dedos do asfalto


  1.  Que dia é hoje, que dia foi ontem, que dia será amanhã? O que você tem feito, pensado, contornado?

  2.  De qualquer forma isso não vai parar. Não mesmo. Perguntas, respostas. Perguntas, respostas. Pessoas falando ao redor. Pessoas falando dentro de você. O ser humano e a necessidade de falar. Até mesmo eu aqui sozinha falo comigo mesma. Minha voz rouca, louca, fria e quente batendo nas paredes e voltando ao meu corpo. Já jogou futebol? Não faz diferença, você sempre está correndo atrás de uma ‘bola’, mesmo que não perceba. Mesmo que a bola seja uma berinjela. Uma berinjela refogada com milho e molho para misturar com arroz. Mastigar, engolir e continuar ‘vivo’. É assim o ciclo. Ciclo? Lua? Mulher esperando para procriar?

  3. Não sei.

  4. Tinta, tinta, tinta para pintar as flores azuis de branco. Cansei do azul e não consigo fazer nascer algumas brancas, terei de pintá-las então, pensei. A loja não tem tinta branca só vermelha, contentar-me-ei com as flores azuis, ou as pintarei de vermelho mesmo? Tanto faz, perdi a vontade de pintá-las, posso mudar a cor delas a hora que eu bem entender, agora elas estão laranja com tom apimentado! E no meu quarto soa o som da chuva que cai em Paris, ou em qualquer lugar que chego depois que acaba o mar. O mar acaba?

  5. Disseram-me que sim, mas eu não tenho um navio, nem sou Cabral para desvendar esse mar. Não que isso me impeça de velejar, posso estar no mar agora! Esse mar que tem a cor que o céu ditou, como me disseram um dia...

  6. O mar é tão maior que eu, que mesmo me engolindo, ele não me sentiria. Ele pode me engolir, eu no entanto, acabaria morrendo se tentasse engoli-lo. É como tentar comer um sapato, o sapato não pode morrer se tentar te devorar, agora, tente você fazer um cozinhado de sapatos e coma no jantar. Quem tentaria fazer um cozinhado de sapatos? Eu nem sapato tenho para poder fazer isso, quem sabe faça com meus pés.

  7. Meus pés, que me levaram para cima e para baixo tantas e tantas vezes. Seria digno comê-los. Uma honra eu diria. Assim como comer os pés de qualquer outra pessoa. Estamos a devorar as pessoas a nossa volta a todo instante. Posso ver o sangue humano escorrendo entre uma boca e outra que encontro andando na rua.

  8. Estamos todos manchados de sangue.

  9. Sangue e a purpurina que transmite a idéia de que está tudo bem. Tão bem quanto estar vivo, quanto ter o que vestir e comer e morar. Estamos todos vivendo bem! Não se preocupe, diz o jornal, você pode ter a mais nova versão de vida moderna com o preço mais barato do mercado, em dez vezes sem juros! Vamos todos então, correndo, comprar a vida em pacotinhos! É assim. Como dirigir um carro, uma bicicleta ou movimentar as pernas num vagão de trem. É tudo movimento! Coma o que quiser, prá mim é só comida. São só ratos andando por aí de esgoto em esgoto, procriando, vivendo de restos. No meio da poeira. [...]

  10. Faça o que quiser, pague o preço por isso.

2 comentários:

Fração de segundos...